Por Entre os Caminhos 1ª temporada


Era um dia qualquer
desses todos iguais
onde o vento levanta saias
sem promessas de vendavais
as paisagens corriam janelas
ninguem em estado febril
cadeiras balançam mesmices
lembranças de algum abril.


além da calma da serra
do outro lado do Igarapé
ouviu-se estranho estampido
de espanto que o bando voa
um batuque sem cadência
atravessava a colina
e um outro alguem que pescava
ouviu estranha ladainha.
Era mesmo um dia igual
cachorros perambulavam pelas ruas
roupas flamejantes no varal
nada anunciava
algo no tal porvir
na calma da mesma tarde
que deixava o sol se ir.
quando tudo se recolhia,
na tarde sem surpresas
na hora da ave-maria
pelos lados da represa
entrou estranho senhor
que não era das redondezas


caminhando em passos largos
pelo deserto das ruas
nada em seus olhos dizia
que aquela parte da terra
jamais na história fora sua
o povo que terminava
as preces da mãe senhora
guardou as virgens á chaves
chamou as crianças lá fora
o que queria aquele homem
négocios, prazer , esmola?
Ninguem nem se atrevia
interrogar tal cidadão
que trazia grande alforge
e um anel em cada mão.
Entrou no bar de juquinha
botou o alforge no chão
tirou do cinto a pistola
e pôs no sujo balcão
Olhou no olhos de Juca,
que pos no colo o facão
pois era dos mais valentes
entre os homens da região
Se acalme meu senhor
que venho em missão de paz
guarde consigo minh´arma

boa sorte não me traz.
Juca ficou bem mais manso
olhou de novo o rapaz
e viu que no fundo dos olhos
nele havia algo mais.


Não vou lhe contar nada agora
que minha garganta está seca
me dê uma dose dobrada
da sua melhor receita.
Cachaça de meu alambique
dormida em bom barril
com cascas da velha árvore
que só floresce em abril.


Tomou o forasteiro
duas das doses dobradas
depois pediu para Juca
uma noite de abrigada.
Podes ficar no meu rancho
o tempo que precisar
mas tens de contar a história
que por aqui lhe faz parar
Obrigada meu bom homem
em breve vou lhe contar
mas antes deixas que eu deite
na rede pra me embalar
e durma o sono dos homens
que vivem á caminhar
Durma seu sono tranquilo
que eu lhe recebo no peito
tenho o tino de saber
ver a alma do sujeito
e sei que o senhor
é um homem de respeito.
Eu muito lhe agradeço
bom juca do bar
e prometo de manhã
minha história lhe contar


Bom dia forasteiro
seu nome inda não sei
aceite este café
que eu mesmo preparei.

Eu me chamo Raimundo
como santo Nonato
e vago por este mundo
sem caneca nem prato
ja andei por todas as terras
que o senhor viu em retrato
em busca de alguma coisa
que não conheço de fato.

O senhor me desculpe
não quero lhe desmentir
mas o senhor é ainda moço
pra ja ter visto tudo ai.
Eu também fui viajante
marujo de embarcação
já guiei carroça de jegue
trem de ferro e batelão
e gastei muitos anos
correndo de pé a estrada
rompendo o mato fechado
com terçado fiz picada
e mesmo assim eu vi pouco
que o mundo todo é estrada.


Meu bom senhor não me ofende
sei bem que é de duvidar
pois minha cara não diz
meu tanto de caminhar
e as estradas sem chão
que me viram atravessar
para os lugares tão longe
dos quais me fiz embarcar.
Mas eu agora lhe pergunto
com grande curiosidade
por que um viajante
parou nesta cidade?
se o caminho é melhor
que ver sempre a mesma tarde.

Ora forasteiro,
não tente me enganar,
que aqui é você
que tem que a história contar
mas como o dia é longo
e vosmecê num sabe onde vai
vou lhe contar um pouco
da minha história rapaz

Bom dia pra voces
que estão a prosear
vim conhecer o senhor
que eu nunca vi por cá
mas se é amigo do Juca
eu vou lhe cumprimentar

Ou é acaso parente
que veio lhe visitar?
me apresente o cidadão
e abra logo seu bar
que hoje a função é cedo
pois cedo terei de voltar.

Este é Raimundo
como o santo Nonato
vaga por este mundo
sem tijela nem gato
é meu hospede agora
e lhe ofereci meu prato.
e peço pro meu amigo
respeito e o melhor trato.

Sou João da Cacimba
aqui nasci e me criei
e nesta terra escondida
sou o sabedor da lei
e por ela eu lhe digo
também lhe receberei
pois é amigo do Juca
e esse aqui é rei
que sabe muitos segredos
que eu nunca saberei.

Ora João da Cacimba
aceite um café quente
que cachaça essa hora
num é coisa de gente.
e pegue um mocho lá fora
e por aqui se assente
que vou contando a história
da vida da minha gente
e se inda eu num lhe contei
se junte a nós e se atente.

Sua história eu já ouvi
pra mais de milhão de vezes
mas este cidadão
é que eu não sei quem fez
de que casa saiu
se é caboclo ou português
fale comigo meu filho
pra eu lhe ouvir uma vez.

Bom dia João da Cacimba
sotaque comigo não trago
que ja andei tanta terra
que todas comigo guardo
e sou uma grande mistura
de tudo que estive ao largo.
Agora ouço a história de juca
e do seu passado

Minha familia perdeu-se
no desfazer dos caminhos
não tenho mulher nem filho
que eu não sou de fazer ninho
e foi a marretagem
que pôs neste cantinho
eu tinha um barco velho
o qual eu chamava de esperança
vendia pra mais de mil coisas
tecidos, ervas, lembranças
um dia aqui atraquei
por conta da maré mansa
meu barco sumiu do porto
e dele não tive noticia
foi assim que parei
nesta bendita provincia
como eu tinha juntado
dinheiro pra envelhecer
achei que tava na hora
de eu me estabelecer
então fiquei por a cá
que quase não tinha nada
uma igreja e dez casas
na beira daquela estrada
depois do meu alambique
a cidade toda cresceu
e é por isso que dizem
que aqui o rei sou eu.
Não tenho nem um segredo
nunca na vida fiz mal
fosse gente ou bicho
pé de planta ou mineral
sou um homem de paz
e nasci no pantanal.
A minha história é esta
se tem detalhe esqueci
e vamos logo andando
que preciso o bar abrir...


O dia naquele dia
estava mesmo bem quente
nem bem o Juca abria
já tinha muito cliente
que os homens da cidade,
como certa procissão
ali se reuniam no intervalo da função
pra saber das novidades
que tinha pra se contar
e tomar boa cachaça
feita no próprio alambique
do dono daquele bar
Naquele dia todos sabiam
Que era certa a novidade
Pois de noite um forasteiro
Tinha invadido a cidade
E já diziam por ai
Que nem Juca sabia a verdade
Quem era o tal sujeito
E que vinha de que parte?
O primeiro a perguntar
Foi Amâncio Jacobino
Que era homem perigoso
E tinha um bigode albino
Cabelos preto empastado
Terno branco de linho
Quem é o seu amigo Juca?
E o que o trás preste caminho?
Eu mesmo lhe respondo
que me chamo Raimundo
como santo Nonato
e venho correndo esse mundo
subindo colina, rompendo mato
o que eu faço aqui
nem eu mesmo sei de fato
procuro o que não perdi
este é o meu contrato,
meu barco tá ancorado
na beira de um matagal
e dentro dele só tem
meu bem vazio bornal
nem uma peça de ouro
nem coisas de se roubar
e mesmo meu velho barco
já não pode navegar
pois tem um furo no casco
que foi o que me trouxe cá.
Procuro um estaleiro
Pro meu barco consertar.
Jacobino logo abriu
Uma peteca de olho
Quer dizer que o senhor
É o dono do trambolho
Que ontem fez o barulho
Que eu ouvi no ancoradouro?
Meu navio se chama a Arca
Em homenagem a Noé
Que salvou todos os bichos
Da chuva que fez maré
É um barco já antigo
Já viu guerra e calmaria
E nele que ganho o pão
Quando tem mercadoria
Que levo de um porto ao outro
Em cidade ou sesmaria.
E onde esta sua carga?
Indagou Maneca Peixoto
Que estava sempre bêbado
Desde que era moço
Pois tinha ficado viúvo
Dois dias depois do casório
A mulher moça bonita
Era de casa ao oratório
E morreu derepente
Vitima de um vomitório
Que ninguém sabe até hoje
Que mal lhe acometia
e pra se esquecer disso
há mais de década
Maneca bebia...


Aquilo que venho a frete
não é mercadoria
nem caixas, nem sacolas
ou provisões de serraria
é coisa bem pequena
e nehum valor pode ter
para alem da única pessoa
que pode lhe receber.

Juca abriu a torneira
de onde jorrava a cachaça
botou uma dose bem grande
da mais forte destilada
e entregou-lhe a Raimundo
lhe dando no ombro palmada



O senhor não precisa
contar mais nada por agora
que hoje vamos almoçar
com dona Chica Vitória
que aquela sim é mulher
que sabe de muita história
tem pra mais de 80 anos
foi professora da escola


É ela que vai lhe dizer
como consertar seu barco
no fundo duma xícara
ela tudo pode ver
se o senhor tá protegido
ou precisa se benzer
quebranto, reza ou olhado
que venha de lá consigo
ela descobre na hora
artimanha do inimigo
e tira do corpo pra fora
se for o caso do amigo

Sera que essa senhora
poderia me ajudar
a achar o tal destino
do frete que me traz cá?


Se tem alguem no mundo
capaz de lhe responder
é a dona Chica
e sua xícara de chá.
termine logo essa dose
ou vamos nos atrasar...


Aqui estou dona Chica
atendendo o seu chamado
e o homem que lhe disseram
é esse aqui do meu lado
que veio lhe tomar benção
e ouvir o seu recado

A benção dona Chica
eu me chamo Raimundo
como o Santo Nonanto
e vago por este mundo
sem dorcéis ou aparatos.


Deus lhe abençõe Raimundo
em nome do Santo Nonato
Põe Maria das Dores
na nossa mesa mais prato
que hoje temos visita
de um moço de fino trato.


Dona Chica era mais velha
das pessoas da cidade
sabia de tanta história
que lá era autoridade
Pois toda a gente sabia
que dona Chica era maga
dessas que faz e desfaz
feitiço de encruzilhada
Era grande professora
Devota do magistério
Mas em sua vida tinha
Grande parte de mistério
Dona Chica sabia
Futuro, passado e presente
E o chá que era certo
pra cada gente doente
Só tinha errado uma vez
Com a mulher do Peixoto
Não acertando o mal
Que lhe inflamou o goto.
Tinha consigo afilhada
A negra Maria das Graças
Que era feito azeviche
Os olhos cor de linhaça
E tinha os dentes mais brancos
De todas as moças da praça
Cabelos de cachos longos
Cintura de pilão
E pra mais de 20 homens
Lhe entregaram o coração
Mas era moça arredia
que quase nada falava
Preferia a encantaria
Que Dona Chica lhe ensinava.
Tinha ela aparecido
Na porta de Dona Chica
No meio do temporal
que tornou toda cidade
um enorme lamaçal
Mas dizem que dona Chica
Sabia de onde ela vinha
Mas nunca contou pra ninguém
A origem da menina
Que ela tanto cuidava
E como filha lhe tinha.
O tempo bem passou
E todo povo esqueceu
Quando a beleza de Gracinha
Junto com ela cresceu
Até o senhor Jacobino
Já tinha proposto um dote
50 cabeças de gado
Duas fazendas no norte
Pra ver se Dona Chica
lhe entragava o laçarote
do vestido de rendinhas
daquela beleza de morte.
Mas das Graças não queria
Riquesa não lhe encantava
Pois bem no fundo do peito
Um grande amor esperava
E ai sim seu coração
Sem medo nenhum entregava.


Vamos andar no jardim
Que quero lá escolher
O chá que o seu Raimundo
Conosco irá beber
Se o Juca não se importe
Vou lhe pedir um favor
Um litro de aguardente
Do alambique maior


E lhe peço que busque agora
E me deixe com este senhor
O Juca logo saiu
Para atender o pedido
Entendeu que dona Chica
Queria só o amigo
Pra lhe dizer as coisas
Que este trazia consigo

Esta terra é bem distante
Das rotas de navegar
E só o destino do mundo
É que traz gente pra cá
Por isso caro Raimundo
Pode se aquietar
Pois está aqui mesmo
O que estás a procurar

O Juca havia me dito
Dona Chica vai lhe ajudar
então por favor me diga
o que estou a procurar
preciso entregar a encomenda
e para a estrada voltar
*******
Essas são margaridas lilases
Que só nascem por cá
Elas revelam segredos
Que o mundo fez ocultar
Seu efeito é quase nocivo
depois desse chá tomar
Você sonha com perigos
Que a vida vai lhe ofertar
Antes que o senhor possa
Com seu destino encontrar
Já esse é o jasmíneo
Que é chamado de quisqualis
Ele lhe envia ao passado,
Lhe mostrando os lugares
Onde começa a história
e a origem dos males



E aqui ainda sem flor
Fica a orquídea malhada
Que revela o futuro
De quaisquer das empreitadas
Mas só floresce daqui
Há dez noites e alvoradas
Por isso o senhor escolhe
O que quer saber primeiro
O passado da história
Ou os perigos certeiros
E se vai esperar a orquídea
Florescer neste canteiro.



Se eu escolho o passado
Descubro onde começou
Esse suplicio danado
Pelo qual aqui estou
Mas não fico avisado
Dos perigos a correr
E se for daqueles grandes
Desses de padecer?
Existe mais algum aviso
se margarida escolher?


Se escolher a margarida
Precisarás esperar
Até que se realize o sonho
Para outro chá tomar.


Não parece tão ruim
Esta condição aceitar
Prefiro as flores lilases
E pelo mal esperar
Que seguir desavisado
Por estes caminhos estranhos
Que me revele a maudade
A margarida dos sonhos.


Vamos andar no jardim
Que quero lá escolher
O chá que o seu Raimundo
Conosco irá beber
Se o Juca não se importe
Vou lhe pedir um favor
Um litro de aguardente
Do alambique maior


E lhe peço que busque agora
E me deixe com este senhor
O Juca logo saiu
Para atender o pedido
Entendeu que dona Chica
Queria só o amigo
Pra lhe dizer as coisas
Que este trazia consigo

Esta terra é bem distante
Das rotas de navegar
E só o destino do mundo
É que traz gente pra cá
Por isso caro Raimundo
Pode se aquietar
Pois está aqui mesmo
O que estás a procurar

O Juca havia me dito
Dona Chica vai lhe ajudar
então por favor me diga
o que estou a procurar
preciso entregar a encomenda
e para a estrada voltar
*******
Essas são margaridas lilases
Que só nascem por cá
Elas revelam segredos
Que o mundo fez ocultar
Seu efeito é quase nocivo
depois desse chá tomar
Você sonha com perigos
Que a vida vai lhe ofertar
Antes que o senhor possa
Com seu destino encontrar
Já esse é o jasmíneo
Que é chamado de quisqualis
Ele lhe envia ao passado,
Lhe mostrando os lugares
Onde começa a história
e a origem dos males



E aqui ainda sem flor
Fica a orquídea malhada
Que revela o futuro
De quaisquer das empreitadas
Mas só floresce daqui
Há dez noites e alvoradas
Por isso o senhor escolhe
O que quer saber primeiro
O passado da história
Ou os perigos certeiros
E se vai esperar a orquídea
Florescer neste canteiro.



Se eu escolho o passado
Descubro onde começou
Esse suplicio danado
Pelo qual aqui estou
Mas não fico avisado
Dos perigos a correr
E se for daqueles grandes
Desses de padecer?
Existe mais algum aviso
se margarida escolher?


Se escolher a margarida
Precisarás esperar
Até que se realize o sonho
Para outro chá tomar.


Não parece tão ruim
Esta condição aceitar
Prefiro as flores lilases
E pelo mal esperar
Que seguir desavisado
Por estes caminhos estranhos
Que me revele a maldade
A margarida dos sonhos.

O chá ficou amarelo
E depois mudou de cor
Mas Raimundo não sabia
Se viveu isso ou sonhou

Deixou o corpo pesar
No encosto da cadeira
Depois achou melhor deitar
Nalguma espreguiçadeira
Tendo em vista que o chá
Deu-lhe uma enorme canseira
*
De repente estava sentado
No meio de uma clareira
Que tinha enorme arvore
Na beira da ribanceira
Coberta de de muitas flores
Azuis, lilases vermelhas
Imediatamente soube
Que aquela era a arvore
Que só floresce em abril
Que a casca da mesma
Juca põe no barril
*
Chegou perto da árvore
E pode constatar
Que a cor das flores
Estava sempre a mudar
E teve a impressão
Que trocavam de lugar

*
Deu dois passos certeiros
Na direção de uma flor
E logo a paisagem
Toda se transformou

Estava na frente da Igreja
No meio da romaria
Com os olhos pousados
Na imagem de Maria
Que pulou toda faceira
Alheia a gritaria
E olhando bem pra Juca
Fez uma cantoria
*
Cuidado com o segredo
Que estou pra lhe revelar
O senhor a sua arma
De volta tem que apanhar
Por causa do peçonhento
Que logo vai lhe espreitar
Traga tabaco no bolso
Pra melhor caminhar
E enfrentar os perigos
Que lá pelo lago terá
Não aceite encomenda
Nem entre em confusão
Até que tenha passado
O dia da procissão
Olhe bem para o lado
Que nele tem um ladrão
Com um terçado no cinto
E na boca uma oração
Pegue só o que precisa
Que o olho não pode ser
Muito maior que a mão
*
Dito isso a santa
Voltou para o seu andor
e toda multidão
seguiu com seu louvor
e entoou a ladainha
que Raimundo despertou
estava na casa de Juca
sem saber como lá chegou

*
Ainda estou sonhando?
Perguntou desconfiado
Agora não está mais
Passou dois dias desmaiado
Mas D. Chica garantiu
Que inda lhe via acordado
*
Eu tive um sonho estranho!
*
Não precisa me contar
Foi isso que a D. Chica
Pediu para lhe avisar
Se contares o sonho
O encanto se perderá
E este chá que tomaste
Não mais o repetirás
Pois podes enlouquecer
Ou não acordar jamais
*
Gostaria da minh´arma
De volta receber
Pra enfrentar os perigos
Que sei que vão suceder
*
Aqui esta sua arma
Que lhe entrego carregada
Espero que não á use
Por este trecho da estrada.
*
Mas vamos deixar de prosa
Que o senhor tem que comer
Ou ficará mais fraco
E pode se adoecer
E cá não queremos isso
Melhor se fortalecer
*
Raimundo devorou
Um frango inteirinho
Comeu pra mais de dez bifes
Arroz, feijão e toicinho
E ainda guardou vontade
Pra devorar o lelê
Que a Chica da Vitória
Mandou lhe oferecer
E junto com ele o recado
De o sonho não se esquecer.

Era ainda de manhã

Quando da decisão

Que o Raimundo tomou

De buscar a embarcação

Pois fazia muitos dias

Que não lhe punha a visão

**

Foi para o bar de Juca

E falou pro camarada

Me dê uma dose grande

Que vou encarar a estrada

Preciso ver minha arca

A qual deixei ancorada

Na beira de um matagal

Perto da pedra afiada

Que me furou o casco

Numa tarde de mansarda.

**

Juca trouxe de dentro

Um cantil de aguardente

E um rolo de fumo

Para lhe dar de presente

**

Raimundo logo enfiou

As provisões no alforje

Amanhã sairei

Antes que o sol acorde

E de lá voltarei

Antes de o dia torne

**

Por onde veio se foi

Seguindo na mesma estrada

Porém de repente se viu

No meio de encruzilhada

Por onde ele não passou

Na viajem de chegada

**

E agora por onde vou

Pos-se a perguntar

Sem nem fazer idéia

De qual direção tomar

Sentou-se numa pedra
e ficou lá a sismar

Como ele saberia

Qual dos caminhos trilhar?

Foi assim que percebeu

Algo de singular

Cada caminho uma cor

Parecia iluminar

**

Amarelo e vermelho

Lilás e anil

Só uma daquelas cores

Não era da flor de abril

E assim o caminho

Amarelo ele seguiu

**

Já estava o sol á pino

Quando chegou no lago

Que da outra vez

ele atravessou a nado

Só que desta vez ele viu

Uma montaria atracada

E pareceu-lhe tão fácil

Que achou que era cilada

Botou a arma no alforje

E segurando pra cima

Atravessou o lago

Para o lado da colina

**

Quando olhou pro outro lado

Montaria não havia

E a margem que atrás ficou

Estranha lhe parecia

Não conseguiu distinguir

A trilha na qual seguia

**

Ouviu um barulho esquisito

Que vinha do meio do mato

Tirou a pistola do alforge

Botou-a perto do tato

**

Começou a caminhar

Indo em busca do seu barco

Que estava depois da colina

A qual ele via o alto

Mas inda estava distante

De enfim subi-la de fato

**

Quanto mais caminhava

Mas o barulho crescia

E teve a sensação

Que algo ali lhe seguia

Lembrou-se da advertência

Que a arma ele usaria

**

E cada vez mais atento

A colina ele subia

**

No topo da colina

O barco ele avistou

E viu como ele estava

bem perto do atracador

se acaso estivesses bom

eu ia ai lhe buscar

mas preciso de outro barco

pra poder lhe rebocar

ele gritava pra Arca

como se esta pudesse escutar

**

Voltou descendo a colina

Pensando que a noite vinha

E em todo os perigos

Que aquela mata continha

**

O barulho que lhe seguia

Pela descida sumiu

Mas já bem perto do lago

O mesmo barulho ele ouviu

**

Era um pequeno chiado

De um arrastar abafado

Que agora forte vinha

Na outra margem do lago


**

Percebeu que a montaria

Agora estava desse lado

Pulou nela depressa

E esperou o resultado

E antes do que pensava

Viu-se no meio do lago

**

Continuou remando

E só ai percebeu

Que o fundo da embarcação

De repente estremesseu

Foi então que viu dois olhos

Que bem miravam os seus

Era uma enorme cobra

Que pra ele apareceu

**


Raimundo sacou a pistola

E na cobra ele atirou

Mas viu que no couro da bicha

A bala não entrou

Então mirou bem no olho

E a danada cegou

**

Quando ela saiu guinchando

Com toda força remou

E quando chegou na margem

Na carreira disparou

E então se viu perdido

E num tronco se sentou

***

Puxou o fumo do alforje

E um cigarro apertou

Se deu que no mesmo instante

Em que a fumaça subia

Do meio do mato veio

Uma estranha musiquinha

**

Se tiver tabaco eu fumo

Andando pelo mato

Me arranje um bocadinho

Que o perdido desfaço

**

Do meio do mato saiu

Uma mulher despenteada

Descalça, coberta de trapos

Suja e desdentada

Que era a autora da cantiga

Que ele ouvia na mata

**

Bendito seja

O senhor Jesus cristo

Disse a que apareceu

Para sempre seja louvado

Raimundo lhe respondeu

**

Acaso o senhor ta perdido

No fundo desse buraco?

Perguntou-lhe a mulher

Com os olhos no tabaco

**

Boa noite senhora

Eu me chamo Raimundo

Como o santo Nonato

E agora me encontro perdido

Pelo meio desse mato

**

O Senhor se incomoda

De me oferecer um trago

Desse fumo cheiroso

Que esta ai do seu lado?

**

Pois este fumo que trago

Posso lhe dar um bocado

Mas antes duas coisas

Me deixaram escabriado

Onde esta a minha trilha

E o que era o bicho do lago?


Passe pra cá esse fumo

E venha me acompanhar

Que penso melhor andando

E fumo pra mó de andar

Deixa eu lhe conte

A história da encantada

E não pergunte meu nome

Que no mundo não sou nada

**

Aquela cobra danada

Desde muito pequena

Mora naquele lago

Passa 10 meses dormindo

E 2 fazendo estrago

E demora sempre três horas

Pra já ter ido e voltado

Quem foi homem distraído

Ta no seu bucho enjaulado

Não tem bala que fure

A pele da desgraçada

Que esta peste só morre

Se acaso for degolada

E se enterrarmos bem longe

Suas partes separadas

**

Eu agora lhe ceguei um olho

Disso tenho certeza

Acaso fiz um favor

Pro povo das redondezas?


O que posso lhe dizer

É que arrumou um problema

Que essa cobra foi filha

Da velha cabocla jurema

Que há muito foi encantada

E até hoje paga a pena

E quererá se vingar

A certeza disso tenha.

**

Siga agora esse caminho

Que o senhor já ta entregue

E se alguém lhe pedir tabaco

Não pense nunca em negar

E lembre que a cobra grande

Com certeza vai voltar

E que a miserável não dorme

Enquanto num lhe encontrar.

**

Raimundo viu o caminho

E se virou pra despedir

E viu que a mulher

Já não mais estava ali

e do alto de uma arvore

um barulho pode ouvir


fióóóóóóóóoóóóóóte!

Quando Raimundo chegou
o dia já amanhecia
e da igreja ali perto
ouvia-se a cantoria
pra lá se dirigiu e
lá encontrou Maria

**

Das graças toda de branco
um branco riso lhe ria
já encontrou seu barco
caro senhor Raimundo
por aqui já se pensava
que o senhor sumiu no mundo

**

Bom dia senhorita
eu ainda cá estou
e para pegar meu barco
careço um rebocador
a senhora sabe alguém
que me faça esse favor?

**

Vou lhe contar uma coisa
que esta noite ocorreu
pois não foi que a tal da arca
no trapiche apareceu
ninguem sabe quem a trouxe
e só sei que não fui eu


**

Raimundo saiu correndo
para o lado da beirada
e lá se deparou
com a embarcação atracada
e no seu casco não tinha
nem uma parte quebrada

**

Quem consertou fui eu
disse o Maneca embolado
mas eu não sei quem foi
que a trouxe preste lado
o senhor não se admire
sou homem navegador
e aprendi muita coisa
na vida de estivador
e conheci toda embarcação
que neste porto parou.

**

Eu muito lhe agradeço
meu bom maneca peixoto
e o seu belo trabalho
deixou o meu casco outro
eceite este pagamento
e não me devolva troco
que qualquer coisa que eu pague
ainda seria pouco

**

O senhor é generoso
meu caro amigo Raimundo
mas esse dinheiro é do Juca
e pra ele darei todo
que quando não gasto no bar
perco tudo no jogo

**

Faça como quiser
que agora o dinheiro é seu
e me diga uma coisa
a procissão já ocorreu?

**

pode ficar tranquilo
que a novena não acabou
ainda faltam 3 dias
pra santa subir no andor

e ainda vai ter muita reza
pra apurrinhar Nosso senhor

**

Raimundo ficou pensativo
com o tamanho da charada
como a sua embarcação
surgiu ali ancorada
se ela estava mesmo
com a beira da proa furada.

**

Achou melhor não buscar
agora uma explicação
e se dirigiu pra igreja
pra saber da procissão
pois ela era uma parte
da sua estranha visão.

**

Quando chegou na igreja
a missa tinha acabado
Mas lá estava o Amâncio
e o bigode desbotado
fez cara de muito amigo
e convidou animado

***
vamos comigo
tomar uma merenda

e também quero que o senhor
conheça minha fazenda
e vamo pelo caminho
que a nossa conversa se emenda.
Quando Raimundo e Amâncio
seguiam pelo caminho
o chão estremeceu
e um cento de éguas montadas
num instante apareceu
Nelas vinham mulheres
Com o cabelo escorrido
Com colares feitos de dentes
De todo tipo de bicho
Que lhe cruzaram pela frente
Todas da cor do barro
Tinham olhos mais fechados
E vestidas vinham
Com um seio desnudado
Amâncio tremeu todo
Raimundo ficou assustado
Quando uma das mulheres
Pôs a lança pro seu lado
Se tens ainda língua
Ela irei comer
Se não me disseres agora
Teu nome que eu quero saber
Eu me chamo Raimundo
Como o Santo Nonato
E nunca nesta vida
Sofri tal desacato
Ora me faças uma dúzia de beiju
Que quem andou atirando
Nestas terras fostes tu


Eu vim aqui pra te dizer
Que vá se consultar
Com o João da Cacimba
Que este vai te falar
Como é que funcionam
As leis neste lugar.
E quantas destas
Tu estás a ignorar
Vou te dar um conselho
Pra ti sempre guardares
Quando chegares perguntes
O tempo dos lugares
O que fazeres e
Principalmente o que evitares
Pra que não sejas tu
O causador dos males
E fique logo sabendo
Que homem aqui tem lugar
E não me faça novamente
Fora de hora voltar.



Raimundo estava tonto
Tinha perdido a noção
E não sabiam se era o peito
Ou o rumo da discussão
Chegou mesmo a querer
Aquela lança no corpo
Pois com aquilo que sentia
Melhor seria estar morto
A senhorita ou senhora

Há de me perdoar
Prometo que com João
Em breve irei tratar
E que de modo algum
Tornarei lhe aborrecer
Então me diga seu nome
Pra eu melhor lhe conhecer
Pois está feito o contrato
Não torne me aborrecer
O resto João da Cacimba
Encarrega-se de dizer
E saia das minhas vistas
Que nosso assunto por hora
Acabo de resolver.
Saíram todas de vez
Em rápida galopada
Na corrida delas caiu
Uma pedra verde amarrada
Seu Raimundo largue isso
Voltou Amâncio a falar
Isso é maldição garantida
So intrigas lhe trará
E agora pra João
Eu mesmo vou lhe levar
João da Cacimba estava
No exercício da função
Era grande marceneiro
Homem de fabricação
Que entalhava os andores
Usados na procissão.
E cada ano fazia
A mais diferente versão
Bom dia Dom João

Eu vim cá lhe trazer
Este homem que o senhor
Precisa esclarecer
Ele fez alguma coisa
Que ele nem sabe o que.
Se o senhor permitir
Gostaria de escutar
Por que quem sabe
Eu mesmo hei de ajudar
Prezado senhor Amâncio
Isto aqui é particular
Se for da vontade do cabra
Depois irá lhe contar

Por agora peço-lhe
Que me deixes
Com o cidadão conversar.
Amâncio saiu irritado
Chutando serragem do chão
Enquanto João fechava
A porta do barracão
Agora somos nós dois
e preciso lhe inquirir
acaso foi o senhor
que disparou os tiros
que ontem se ouviu por aqui?
Pois eu atirei
E foi num bicho malvado
Que queria me comer
Quando atravessei o lago
E por acaso o senhor
Atravessou-o a nado?




Eu lhe respondo que não
Usei um casco ancorado
Por que há muito me seguia
O bicho mencionado
Pois o que o senhor usou
é uma casca sagrada
Que por aqui se usa
Pra falar com a encantada
Que o senhor atingiu
Com sua arma carregada.
Por acaso não o viu
Quando da sua chegada
Creio que não usei
O mesmo caminho de antes
Posto que desta vez
Pareceu-me mais distante
Acaso o senhor encontrou
No caminho outra pessoa?
Encontrei uma mulher
Que aqui me fez chegar
E sobre a danada da Cobra
Foi a primeira a me alertar
E como era o nome da dona
Que por lá lhe ajudou
Acaso em alguma hora
Isso ela lhe falou?
Ela me pediu
pra isso não perguntar
mas me ajudou de fato
ao meu caminho voltar


Aquela é a Matinta Perera
É mulher mal assombrada
Que vive aqui desde sempre
Também é das encantadas
E sabe imitar de tudo

cara e voz de gente
Barulho de bicho e risada
De noite é um passarinho
que canta na madrugada
não sabe fazer ninho
e põe um ovo por botada

O ovo da Matinta
Tem um efeito danado
É ele que dá a Cobra
O descanso no lago
Se acaso não come ele
O bicho fica acordado
E quando ta acordada
Ela não para de crescer
Se ela crescesse muito
No lago não ia caber
e muito tempo fora do lago
pode lhe fazer morrer.

São brigada faz tempo
Antes de todo mundo nascer.
E uma coisa lhe digo
e lhe peço pra ouvir
grande confusão
o senhor fez por aqui
Ai Raimundo percebeu
Por causa desse detalhe
Foi então o tiro errado
Que deu ele naquela tarde
E viu que ainda nada
vivera da previsão
E que a cor que escolheu
Não tava na tal visão
Ainda desobedeceu a santa
E se meteu em confusão.
Se a cor amarela
No sonho não apareceu
Então o caminho errado
Certamente ele escolheu
Ainda tem as mulheres
que eu não sei quem são
e uma delas me disse
pra eu vir aqui lhe ver
que o senhor me diria
o que preciso saber.
O senhor se meteu
Bem no meio da lei
Que faz a Cobra Grande
Não mexer com ninguém
Se vem nadando ela deixa
Se vê o barco ela vem
Que assim só vai
Quem com ela assunto tem.



A tribo das mulheres
Fica do outro lado do lago
Bem pra lá da colina
Onde quebrou seu barco

A Matinta perera é mãe
Da primeira amazona
Que por aqui cavalgou
Nascida do único ovo
Que a Cobra não lhe roubou


Tinha aqui duas irmãs
Jurema e Jatuíra
Uma acordava de noite
Quando a outra se recolhia
Num dia de eclipse
Que tudo aconteceu
A outra acordou mais cedo
E só ai descobriu
Que sua irmã também dormia
Com o homem que era seu.
A Lua e o Sol se zangaram
Presenciando o ocorrido
Esta vai com ele
Esta se vem comigo
E tu ficarás
Sozinho em tua rede
Disse a Lua zangada
Para o indio Pena Verde



Jurema como não tomava Sol
Foi pra o fundo do rio
Foi lá que por castigo
A Cobra Grande pariu




Este mesmo castigo

Jatuíra sofreria

Mas de cima de uma arvore

Tão alta que o Sol lhe via

E foi assim que nasceu

A encantada Matinta

Que é irmã da Cobra Grande

Pois são as duas filhas

Do índio pena verde

Que com suas mães dormia



E como eu já lhe disse

O ciclo se seguia

A Matinta botava

A Cobra Grande comia




A primeira Amazona

Da Matinta era filha

E por conta disso

A Cobra Grande era tia.


A Matinta só bota

o seu ovo voando

e só se vira em gente

para sair procurando

e é sempre no mesmo tempo

que a Cobra ta se acordando


A Cobra Grande

Não era de parida

Não botava ovo

Nem ficava de barriga

E ainda comia o ovo

da meia-irmã inimiga.


Um dia a Matinta pediu

Um conselho pra Perema

Perguntou se ela sabia

Como era pra esconder

O ovo que a Cobra Grande

Sempre queria comer


A Perema lhe disse

Que seu ninho ela abria

Na areia bem fina

E ovos lá escondia

E que se ela quisesse

Seu ovo ela esconderia



A Cobra Grande procurou

Por todo lugar que havia

O ovo da Matinta

Sem o qual não dormiria



Começou passar o tempo

E a Cobra Grande crescia

E em pouco tempo no lago

Certamente não caberia

Se continuasse a crescer

Com a rapidez que crescia


Foi assim que ela fez

Esse apelo pra Matinta:


O que eu te fiz Matinta

Pra ti me negar

Justamente aquilo

Que jamais perderás

Pois o que tu não tens

Não poderá te faltar

E o teu egoísmo

Em pouco me matará


A Matinta ficou sentida

Com o apelo Cobra

E foi falar pra Perema

Pra lhe dizer em que cova

Ela escondeu o ovo

Que ela queria de volta



A Perema foi logo dizendo

Que aquilo não faria

Se disse que ia chocar

O ovo ela chocaria

E não adianta pedir

Que não devolveria


A Matinta ficou furiosa

E a Perema jogou

Bem em cima de uma pedra

Que o casco dela quebrou

e ainda amoleceu

todo o osso que sobrou


E ainda ouviu da Matinta

Que ela não esperasse

Que naquele lugar

Nem um ovo vingasse

Até o dia que então

Seu ovo ela encontrasse

A Perema depois da queda

Passou andar de vagar

E mandou chamar Muiraquitã

Pra com ela vir tratar

E pediu a sua ajuda

Pra aquele ovo salvar


O Muiraquitã

Prometeu que ajudaria

E escondeu o dito ovo

No meio da argila

Que era de cor vermelha

E a margem do lago cobria

Sabia que bem ali

Ninguém lhe descobriria


E assim foi

E começou a cantoria

A Matinta chorava

A Cobra Grande crescia


A Matinta catava todos os ovos botados

E dava pra irmã comer

Que algum daqueles ovos

o seu podia ser

E não escolhia,

nem bicho, nem caminho

Sabia que o Muiraquitã

O escondeu direitinho

E podia ser qualquer ovo

E podia ser qualquer ninho.


A Cobra comeu

Todos os ovos colocados

No entanto o ovo certo

Ainda não fora encontrado


E quando já se esperava

Que a Cobra morreria

A Matinta pôs um ovo

Que a irmã salvaria



É que apareceu por cá

Um tal dum fogo-fato

Que aparecia de noite

Lá pelas bandas do lago

E que um dia a Matinta

Encontrou por acaso



Ficou tão impressionada

que um ovo ela botou

Que o fogo mesmo lhe disse

Que ele que provocou

Deu pra irmã comer

E a ordem então voltou.


Mas os imprevistos

não tinham se acabado

por que o outro ovo

estava sendo chocado

e já quase ninguém

disso estava lembrado



Do barro mais vermelho

Da margem mais afastada

Foi que nasceu Una

A amazona encantada

que o Muiraquitã e a Lua

tomaram por afilhada.



No mesmo tempo que isso

Outra coisa aconteceu

a Cobra Grande já não crescia

porem não adormeceu

achava que era o tanto

de ovo que ela comeu


e qual não foi a surpresa

quando a danada pariu

um bem bonito menino

e pro sol ela pediu



Fique com ele pra mim

Que não posso lhe cuidar

Passo tanto tempo dormindo

Como irei lhe vigiar.

E o sol também aceitou

O garoto apadrinhar.


A lua e o sol

Iniciaram a negociação

Usando o Muiraquitã

Pra fazer mediação

Iam separar os primos

E esconder a confusão

Além disso mandaram

Os bichos calar

E é por isso que até hoje

Nenhum pode falar


Foi por essa ocasião

Que eles decidiram

Que tudo vivo morreria

Por que em algum tempo

Ninguém disso lembraria.


Chamaram a cobra e a Matinta

Pra tomarem parte no acordo

E a Matinta prometeu

Nunca mais pegar o ovo

Pra evitar que o problema

Se repetisse de novo


A Matinta aceitou

Mas ficou contrariada

E até hoje

com a Cobra Grande é brigada


Matinta-perera

por que essa só tinha

Meio encantamento

Ia cuidar das crianças

Lhes dando comida e alento


E ainda era reponsável

De deixa-los separados

e garantido que o lago
nunca fosse cruzado


por que a pedido da cobra

que as crianças queria ver

o sol criou a montaria

usada por vosmece

e só quem vai dentro dela

pode a cobra entender.


Como não precisava

Mais o ovo procurar

A cobra grande ficava

Nadando de lá pra cá

Aumentando o tamanho do lago

Pra este lhe acompanhar


Um dia apareceu

Ali um cavalo malhado

E dizem que aquele era

O pena verde encantado

Que foi visitar Una

e por ela foi domado

e foi o primeiro cavalo

por uma amazona montado



As outras éguas são filhas

Do mais estranho cruzamento

Do cavalo de Una

Com uma rajada de vento

Que fez nascer Jacotira

A égua mãe da ninhada

Que gerou todas as outras

Por amazonas montadas


Aconteceu que o Muiraquitã

Morreu na margem oposta do lago

E não houve quem impedisse

Una de vir vela-lo



Quando o Muiraquitã morreu

A Lua e o Sol se lembraram

Que era culpa deles

Que a imortalidade lhe tiraram


A Lua resolveu transformá-lo

num barro esverdeado

e para sempre guardá-lo

no fundo daquele lago





Era com ele que Una

Munida de todo carinho

Repetia a forma do sapo

Que um dia lhe foi padrinho


Mas Una sempre chorava

Quando mais tarde ela via

Que o sapo era moldado

E tão logo se derretia


O sol quando viu aquilo

Também se enterneceu

E punha o barro tão duro

Que nunca nenhum se perdeu


Una e Teston

Tiveram muitos filhos

E com eles nenhum cuidado

E quando deram por si

Tinham se engravidado

pois irmãos com irmãs

uns com os outros se deitaram


logo a cobra Grande

Foi ter com o filho Teston

E resolveu contar pra ele

Como tudo começou


Sabendo da briga que teve

Entre Jurema e Jatuíra

Teston resolveu

Que os filhos separaria

E mandou todas as mulheres

Pro outro lado da ilha


As irmãs muito espertas

Na hora em que partiam

Deram sapos de pedra

Para os irmão que preferiam

E pois em qualquer lugar

Seus sapos reconheciam

E assim a briga entre elas

Também evitariam


A Matinta foi pro mato

A pedido da filha

Que não gostava muito

Da maldição que esta sofria

Pois causava nas crianças

Medos e gritarias



As meninas atravessavam

Sempre pro lado de cá

Então o pai resolveu

Nova regra criar


Venham cá só uma vez

Depois que o sol partir

Na primeira noite sem lua

Que cobra Grande Dormir

Que assim ninguém saberá

O que se fez por aqui.


Quando os navegadores vieram

Chegaram do lado de cá

E Teston resolveu com eles se juntar

Pois tinha uma branca entre eles

Que fez seu peito pulsar


Una não gostou

Do que tinha acontecido

E botou todas as filhas

De vez contra o marido

E disse que com elas

Havia o mesmo perigo


No barco dos viajantes

Vieram santa e cruz

E cá fizeram Teston

Aceitar á Jesus

E disseram pra ele

Não poder permitir

Que a santa e as mulheres

Vissem aquilo ali

Por que irmãs e irmãos

Não devem juntos dormir



Quando Teston falou

Que não mais podiam atravessar

E que ele mesmo iria

os filhos homens buscar

houve grande confusão

e as mulheres se negaram

aceitar a solução

pois queriam poder encontrar

seus separados irmãos

Teston saiu de lá

Sem fechar o acordo

e era justo a noite

que a cobra dormiu de novo


As meninas se prepararam

E na primeira noite sem lua

O lago atravessaram

E não deixaram vivas

As mulheres que encontraram

E nesta mesma noite

Com todos os homens deitaram

E cada uma deixou

No escolhido pendurado

Os verdes Muiraquitãs

Por elas mesmas moldados.


As mulheres que sobreviveram

Tomaram todas as dores

E disseram que por ali

Tinha demais pecadores



Mediadas pelos homens

Que gostaram da cavalgada

As mulheres aceitaram

Com as santas serem guardadas

E fazer a procissão

Sempre no ultimo dia

Que a cobra estivesse acordada.



Se a cobra não dormir

Ninguém vai poder saber

Que dia tudo por aqui

Deve se suceder


Nem procissão

Nem cavalgada

E foi o senhor que criou

Essa confusão danada


Pois a cobra só vai dormir

Com as contas acertadas.

Veja como o senhor já vez

Elas virem em hora errada

E se vierem de novo

Não tem nem como saber

O tamanho da enrascada.



Eu vou flar com a cobra

Pra ver como resolver

O erro que o senhor

Acaba de cometer


E vamos almoçar

Que é hora de se comer.


Mas Raimundo já estava

Deveras assombrado

Despediu-se de João

E seguiu pro outro lado

Foi contar para Juca

O tamanho do estrago

Só ai percebeu

Que o cantil tinha secado.


Quando chegou no rancho

Juca lá não estava

E a porta do bar

Bem fechada se encontrava


Comeu alguns beijus

E deitou na rede estendida

e só conseguiu pensar

na amazona atrevida

e no peito vermelho

da tão bela rapariga.

Quando Raimundo acordou

Com a mente em confusão

Já encontrou o Juca com

Seu chapéu na mão


Vamos tomar chá

Na casa de D. chica

Ela e João esperam nossa visita

Vamos lá descobrir

Como o senhor vai resolver

O problema que criou

E não vai parar de crescer


A casa de dona Chica

Estava toda enfumaçada

Tinha um cheiro gostoso

De mata verde queimada


João da cacimba bebia chá

E dona Chica fumava

A boa erva canarinha

Que ela mesma plantava


Senta ai seu Raimundo

Que é bom vê-lo acordado

Como foi que se meteu

Nesse problema danado

Dizia D. chica

Comendo o lelê do seu lado.


D. Chica foi o sonho

Que o seu chá me fez ter

foi ele que me levou

a tal bobagem fazer


E por acaso seu sonho

Já está a acontecer?


Olhe D. Chica,

eu não sei mesmo lhe dizer

Por que o meu sonho

foi difícil de entender

e não sei se saberei,

quando o outro chá beber.


Se o senhor ainda não sabe

É por que não está na hora

Tem com quem é rápido

E tem com quem demora

Mas a pessoa sempre sabe

Se é depois ou agora.



Se eu vou saber

Quando tiver acontecido

Então eu lhe digo

O sonho até agora

Não faz nenhum sentido


Quando eu achava

Que já tinha cumprido uma parte

Descobri que na verdade

Eu era autor de um desastre

Numa história que com certeza

Dela não faço parte.


Seu Raimundo eu lhe digo

Uma coisa o senhor tem razão

O que o senhor arrumou

Foi uma grande confusão

Pegue um cigarro e me ouça

disse á ele João


Depois que falei com o senhor

Com a cobra grande fui tratar

E não é boa coisa

O que ela mandou lhe falar


A cobra grande está caolha

E muito furiosa

E quase que não aceita

Ter comigo uma prosa


Disse que comerá

Qualquer um que for no lago

E que não lhe preocupa

O tamanho do estrago


E que ainda não sabe bem

Que pode cometer

Se o senhor pra ela

Não lhe dermos pra comer


Ou damos o senhor

Ou lhe consertamos o olho

E pela minha experiência

Lhe serviremos com molho


Talvez não nós

Que somos gente civilizada

Mas com certeza as filhas

Da amazona encantada

Posto que vai se atrasar

O tempo da cavalgada



Raimundo coçou a cabeça

E tirou dela um piolho

Matou-o com o polegar

E só pensava no molho

No qual iam lhe meter

Pra o tempo voltar a estar certo

E a cobra adormecer



Ainda não entendi o que devo fazer


João logo disse

A dúvida aqui é assar ou cozer

Ou lhe botamos no molho

Ou fritamos no dendê.


E eu acho melhor

É tu parares de beber

Disse dona chica

Comendo mais lelê.

Não vês que estás

Á assustar o Raimundo

Um rapaz que cá chegou

Pelo destino do mundo


Seu Raimundo se tem jeito

Desse problema sanar

só a orquídea malhada

poderá lhe revelar

Mas de cada flor só se faz

Uma Xicara de chá

E mais de um mistério

Ela não revelará

Ou resolve o problema da cobra
ou do que lhe trouxe cá


E se acaso Dona Chica

Meu sonho não ocorrer

O chá da tal orquídea

Eu poderei beber


Eu já lhe disse que não

E isso não tem jeito

Se não morre, endoida

A cabeça do sujeito


Será que a cobra não aceita

Outra negociação

Que não seja me devorar

Pra resolver a questão


Seu Raimundo aquela cobra

Já viu de tudo a bendita
Se o senhor lhe olhar o couro

Não verá nele ferida

E o senhor lhe furou o olho

E tentou tirar-lhe a vida

Quando falei com ela

Ela estava furiosa

Vamos ver se mais pra frente

ela aceita outra prosa.


Se não vamos lhe dar pra ela comer

Vou que já está na hora

Juca já vais abrir

o teu bar por agora?


Vamos João da cacimba

Deixemos Raimundo cá

Com a D. Chica da Vitória

Ele tem muito que falar

Tenho certeza que juntos

O remédio irão achar

Raimundo tirou do bolso
A pedra verde amarrada
e mostrou pra dona Chica
que ficou muito assustada
Me diga seu Raimundo
onde isso estava.


Isso eu achei no chão
caiu de alguma amazona
no meio da confusão
guardei-o aqui comigo
mas careço explicação
de o que se trata isso
que me disseram maldição


E Antes que a senhora comece
esta historia me contar
tenho ainda outra coisa
que achei melhor aguardar
quem é aquela mulher
que cá veio me ameaçar?

D.Chica pegou a pedra
e olhou rapidamente
é impressionante
como a Dona ele não mente.

Seu Raimundo ouça atento
o que eu vou lhe contar
é um pouco da história
da gente deste lugar

sei que o joão
já lhe contou uma parte
mas tem coisas que ele
certamente não sabe.

quando o muiraquitã morreu
e Una lhe enterrou no barro
que a Lua esverdeou
e pos no fundo do lago
una la mergulhava
pra visitar o padrinho
e de lá sempre trazia
daquele barro, um pouquinho

com a lama que pegava
ela repetia
a imagem daquele
sem o qual não existiria
mas a lama era mole
e rapidamente se desfazia
e sempre em profunda tristeza
Una sempre caia.

Teston contou ao sol
o que acontecia
Una moldava
o sapo derretia
o sol disse que sim
Diga a Una que traga
os seus sapos pra mim


a tristeza de Una era tanta
que o sol bem caprichou
e sua força foi tanta
que a tristeza dela acabou
as peças ficaram tão duras
que nunca mais nehhuma quebrou

Quando um Dia Teston saiu pra caçar
Una ficou preocupada
por que rondava por aqui
uma onça pintada
que já tinha atacado
muitos bichos de emboscada

Ela entregou pra Teston
muitos muiraquitãs
amarrados ,
para protege-lo dos perigos
pelo mato espalhados

Teston saiu com um monte deles
pendurados no pescoço
e como Una temia,
a onça encontrou o moço
quando lhe pulou
deu com a boca nos colares
e por conta dos cordões
presos nos molares
com alguns muiraquitãs
ela ficou entalada
e pra surpresa de teston
a onça morreu engasgada


Com os caninos da pintada
Teston fez um colar
e pendurou em Una
pra ela se lembrar
que não havia perigo
impossivel de enfrentar

o tempo se passou
e o costume continuava
una pendurava o muiraquitã em teston
e os dentes de bichos ele lhe dava
quando os filhos cresceram
as meninas Una ensinava
a fazer o muiraquitã
por que ele protegia
lhe protegeu da fome da cobra
e protegeu Teston da felina.

os dentes que carregam
as amazonas que o senhor viu
representtam os perigos
que cada uma sobreviveu

antes eram os irmãos
que os dentes coletaram
depois que eles se foram
elas perigos proprios enfrentaram

além disso cada uma
tinha seu proprio jeito
de o colar fazer
de modo que é sempre possivel
a autora reconhecer

como cada uma tinha
seu irmão preferido
era sempre o colar
dado paro o escolhido

isso evitava
que se repetisse a confusão
que tinha originado
aquela separação

a briga de jurema e jatuira
era sempre lembrada
como o que gerou o castigo
das duas avós encantadas.


quando as irmãs iniciaram
o costume da cavalgada
levavam sempre consigo
a pedra verde amarrada
para lembrarem seus homens
e ficar neles marcadas

se uma amazona entregar
pra um homem o muiraquitã
e por acaso o vir, uma outra sua irmã
essa dele se afasta,l
embrando bem do dia
que o Sol e a Lua castigaram
Jurema e Jatuíra

Um muiraquitã nunca esta perdido
ele sempre está no lugar
onde aquele pra quem se destina
vai certamente o encontrar

se o senhor possui um agora
só lhe cabe decidir
se o pendura no pescoço
ou o deixa seguir
isso é definitivo
pro dia da cavalgada
onde cada uma procura
seu muiraquitã pendurado
e o jeito de saber
em que porta
o menino será deixado.

no dia da cavalgada
enquanto a desordem se instala
a ansiã sorrateira
as garotos espalha

por aqui já é costume
essas crianças criar
sempre com o medo
de uma delas se vingar
e arrancar alguns dentes
pra pendurar no colar.

seu Raimundo, seu Raimundo,
volte agora pra este mundo
e quando ele abriu os olhos
D. chica falou
foi o chá errado,
aquele que o senhor tomou!

Quando Raimundo ficou desperto
ele notou
que estava ainda...no dia que ele chegou.


O foi a flor errada aquela
que o senhor deu
e como estou sem óculos
não percebi o que aconteceu.
foi o chá do passado,
aquele que o senhor bebeu.


E agora dona Chica
Que eu terei de fazer
Se com o chá que bebi
O passado me fez ver
Que tal você me contá-lo

Assim poderei saber
Se outro chá
Ainda deve o senhor beber

Quando Raimundo contou o sonho
Dona Chica se entalou
E sufocada com o lelê
Assim ela lhe falou:

O sonho que o senhor teve
É o que se conta aqui
Mas foi com outro viajante
Que o mundo pra cá fez vir

A moça do seu sonho
Era a mesma Matinta pereira
Herdeira da antiga
Que aceitou desta a sina
Uma mulher vira Matinta
Quando aceita o oferecimento
Que a Matinta faz em seu falecimento
Ela pergunta quem quer
E até alguém aceitar
Permanece o sofrimento
Que ela só para de agonizar
Quando passa o encantamento.

O moço do seu sonho
Era um negro que foi escravo
Se chamava Benedito
Como o santo Mulato.
Uns diziam fugido, outros diziam naufrago.

Trouxe pra cá muita reza
Muito santos e celebração
e já são velhos seus netos
Beija, Cosme e Damião
que eram filhos de dona Carmita
Que também era assombração.



A cobra grande agora vive
Lá dentro do Rio
Mas Benedito não lhe deu problemas
Ele fez foi lhe ajudar
Com a intenção de resolver
O conflito familiar.

Quando descobriu a maldição da amada
Benedito partiu pro lago em busca da encantada
E lá disse pra ela que não poderia deixar se repetir
Sua mulher por o ovo e dar pra ela engolir


A cobra já cansada de toda vez explicar
Explicou mais uma vez, para Bené se calar
Disse o senhor me perdoe
Mas isso não posso fazer
Preciso desse ovo
Ou não paro de crescer
Se eu não ficar aqui no lago
Certamente irei morrer


E como é que pode
A D. cobra saber
Se nunca daqui saiu
Para outras coisas poder ver.
Não se sabe muito bem como ele conseguiu
Mas se sabe que o danado a cobra persuadiu
E juntos cavaram até o lago juntar com o rio
Quando a cobra se viu viva
Foi grande felicidade
Ela sentiu uma coisa
Que lhe disseram liberdade
Parece que foi o Benedito
Que lhe ensinou naquela tarde.

Foi assim que surgiu o nosso Igarapé
De um acordo da Cobra,

com o bom e sábio Bené
Que mudou muita coisa por aqui
Disse que se quisessem
As amazonas podiam vir
Falou com as mulheres da Santa
Que freqüentavam seu barracão
Ensinou tanto pra elas
Que acataram sua sugestão
Assim acabava o medo
De serem pegas de supetão.

Mas as moças não aceitaram
A sua festa esquecer

Por isso aqui depois da missa
No tempo da procissão
Também ocorrem as festas
No velho barracão

Tem quem bate o tambor de Bené
Tem quem lembra das caboclas
Tem quem reza pra santa
E quem não faz nem coisa nem outra

Seu Juca além de mim
É dos poucos vivos que conheceu
O velho Benedito
que com mais de 100 morreu
e foi justo nesta noite
que o barco de Juca desapareceu.

Agora vá seu Raimundo
Volte lá para o mundo
E vá procurar o que o senhor perdeu
Que agora quem vai dormir
Um bocadinho sou eu.

Dona chica diga agora
O que eu devo fazer
Será que não posso logo
Outro chá beber?

Seu Raimundo
Num se afobe
Que o senhor acordou agora
Só vai tomar outro chá
Se achar algo lá fora
que resolva uma parte

do seu estranho destino,

por que esse tem é arte.

E assim que saiu dali Raimundo
muito assombrado tomou a Decisão.
encoxou a Gracinha no canto do barracão
já sabia que naquela cidade não ficava mais não
pegou pra si um outro barco
que o seu era o de Juca
que havia lhe salvado em outra ocasião

teve de  levar consigo
por que não havia escolha não
o vaso da Orquidia Malhada
que devolveria  em outra ocasião.

E assim ele foi antes da procissão...

e assim Raimundo e Gracinha
se foram na embarcação que Maneca
ofereceu se a moça lhe desse a mão
fazia bom vento naquela noite levou longe a embarcação.


Extras:

O mundo todo é um caminho

Por onde a gente passear

Pode ser terra, água e vento

O que nos leva pra outro lugar

Entre nos pontos pode haver

Apenas uma linha de plugar

E onde quer que se esteja

E onde quer que se vá

Os caminhos que se sabe

São sempre os de voltar

Cada ida leva junto

A história de um instante

Pois não se encontra nunca mais

A vida como era antes

Cada chegada é surpresa

De não saber o que buscar

Além da água e da carne

E de um teto pra se abrigar

Tudo por onde se passa são ruas

Nem todas de pavimentar

Tem caminhos que são cruzados

Sem os pés nele encostar

O importante é a bagagem

Que sempre iremos levar

Tem as de não passar frio

E as de não se afobar

Tem bagagem de mão

Outras dentro do olhar

Nenhum caminho é sem fim

Por que sempre haverá

Um lugar por ele

Que é lugar de parar.

A alma da gente as vezes,

Pede para poder se apaziguar

Quer ver coisas e lugares

Supor e imaginar

Parados numa janela

Os viajantes se deixam levar

Ou deixam que sigam as pernas

Sem mais delas se lembrar

E esta pausa entre a partida e a chegada

Que chamamos viajar.

Quando encoxou gracinha, Raimundo lhe pegou
justo  pela cintura e no meio do ouvido falou

vem-te embora comigo, que eu sou o teu lugar
te juro que do meu lado, nunca vais te cansar
te conto o mundo do céu, te digo os peixes do mar
te explico como o arco-iris consegue o céu cruzar
e te mostro todos os caminhos
por onde se pode passar.
e te explico o sentido, completo de viajar.
a vida tem muitos caminhos, uns é melhor evitar
de certo que passar por eles
pode problemas causar
mas te digo pela vida
prefiro me desgraçar
por que mais valem teus olhos
que a vida inteira levar.

não sei de onde viestes
nem pronde vais me levar
mas sei que entre os teus braços
a vida eu podia passar
me deixa ficar nos caminhos
me ensina por eles passar
que agora sou teu bichinho
me ensina a te agradar.


Raimundo ensinou muitas coisas pra Gracinha


Ensinou o que era aeronave, viajem e doidinha

E gracinha aprendia rápido, era bonito de ver

Subia, descia, falava e tudo
e em tudo era linda de ser

Ele pegava no colo, ela toda miava

Ele deitava no chão, ela uma cobra imitava

Fizeram promessas de vida, juraram nunca morrer

E pra sempre se prometeram um ao outro querer

Um dia enfiaram no dedo, ferro de nunca esquecer

E lealdade juaram pra vida inteira se ter

Mesmo que te vás pro mundo

Tu de mim lembrarás

E não importa onde eu vá


Sempre irei te buscar...

A gente forja no tempo a vida que queria ter


A gente se perde na vida

Que caminho é ter que escolher

E caminho por si é vida

E é quase sempre correr

Nada pronto na hora

Nada se pode fazer

E as vezes no lugar sem saída

Só volta é o que pode se ter



Perdidos aqui sempre estamos

A vida é só ter de haver

Eu devo, e um dia eu pago

E quem deve

Comigo há de ter



Quem sabe o que é melhor

Ficar ou partir sem temer

Quem sabe que coisas do tempo

Em nós podem adormecer


Ora o tempo senhor das misérias

Que pode este  infeliz saber

Se consigo só trás ruga e traça

E em nada ajuda a viver?



Que bobagens é easa que dizes?
Pois então não estás a ver

Que sem saber o tempo das coisas

Ninguém espera o florescer?



Que se não marcássemos o tempo

Ninguém saberia o que fazer

Se soltamos a tracajá

Ou ela vamos comer?



Te deita aqui do meu lado

Que eu te faço entender

Que as vezes o tempo passa

Sem nem a gente ver.