Por entre os caminhos (versao mais atual,completo)

Ilustração: Andrezza Almeida

Por entre os caminhos (versao mais atual,completo) II








Quando chegaram no porto
já prontos para embarcar
seu barco lá não estava
apenas um homem no seu lugar
Acaso o senhor pode saber
por onde está nosso barco?
é um grande e verde
com uma mancha no casco.







Seu barco tá bem guardado
não precisa se preocupar
mas D. Tiana lhe espera
ainda hoje para almoçar
Então o senhor não precisa
o seu barco agora pegar. 

Gracinha riu branca 
pra cara do cidadão
e olhando no olho 
e lhe pegando na mão



falou com cara de santa
perdida da procissão
temos coisas importantes
dentro dessa canoa
e temos de partir
pois é certo que o tempo voa



diga-nos onde anda
a nossa embarcação
e podemos lhe dar
alguma provisão

O homem se soltando
num gesto bruto danado
saiu da frente dela 
com um salto pro lado


O que tem na sua canoa
tá sob os meus cuidados
talvez eu não fique com nada
talvez nos sobre um bocado
é certo que vocês dois
tão sendo pro almoço esperado


Como ainda tem tempo
vocês podem bem decidir
ou vão resolver as coisas
ou podem tentar fugir
a minha parte é não deixar
daqui vocês sair
antes de a gente saber
como chegaram aqui


Raimundo desconfiado 
disse pro cidadão
não pretendemos fugir
apenas ir na embarcação
pois temos de pegar coisas 
para nossa refeição
ainda estamos de jejum
nada ainda comemos
e sem o nosso barco
não haverá o que fazermos



pois não podemos comprar nem vender
e cá estamos nesses termos. 
Pois eu vou lhes ajudar
a atravessar a manhã
também são ordens 
da nossa boa anciã


Raimundo só pensava
que queria tomar um trago
e que também lhe faria
muito bem um cigarro. 

o homem que lhe acompanhava
sem se identificar
ofereceu-lhe tabaco
como a adivinhar

caminhando na beirada
do mesmo rio
pararam numa barraca
onde um homem grande

enrolava corda de pavio
Bom dia Marito
já esperas anoitecer?
enrolando pavio



bem ao amanhecer
Como vais Antonino?
e o que tem nos teus cuidados?
eu só posso lhe dizer
que esta noite andei acordado
tive uns sonhos tão ruins 
que acordei assombrado



no meio da noite acordei
em tamanha escuridão
que acordei fazendo pavio
pra espantar assombração
aqui está a comida
que mandaram lhe entregar
o resto da história 
não precisa me contar
Agora siga na beira
que estão a lhe esperar
para lixar as cabaças
que de noite se vai usar

e leve esses dois
pra mó de lhe ajudar
pelo que eu soube os distintos
não sabem bem trabalhar


Gracinha logo falou
eu não quero lixar
leve Raimundo consigo
e me deixe por cá
que prefiro fazer pavio
pra assombração espantar
Olhou para Raimundo
e este pode entender
que Das Graças tinha um plano
que agora não podia saber
mas foi se embora com Antonino
e com Marito a deixou ter. 



Quando os dois homens partiram 
pra exercer função
Das Graças pra Marito
fez a seguinte interrogação
Como foi seu sonho?
com que assombrações?
Tome este metro de corda
e vá fazendo o pavio
só de me lembrar do sonho
tenho cá um arrepio
sonhei que a cidade
era de manhã invadida
por mais de cem éguas montadas
por mais de cem raparigas
que vinham aqui
pra resolver uma briga. 




E o que mais acontecia
perguntou Gracinha danada
pra saber se era um sonho
ou se era uma cilada
pois sabia muito bem
quem eram as mulheres narradas. 
A gente lhe dava uma flor
que era muito da engraçada
nascia dum capim, 
e era toda pintada
ai elas iam embora,
mas deixavam inpendurada
na porta de cada casa
uma pedra verde furada. 



De noite as pedras viravam
mil sapos barulhentos
e esses tantos sapos
fizeram parar o tempo
e aparecer os reis
do reino donde viemos. 







Gracinha ficou assustada
com aquela descrição
pediu licença pro homem
pra ir procurar Raimundo
pois precisava lhe ver
naquele mesmo segundo
Vá onde quiser
não precisa me contar
mas pense bem se resolve
ou se vai mais aprontar. 


Gracinha nem lhe deixou
terminar sua piada
e seguiu pela beira
e depois mudou de estrada
ia procurar o barco
e a sua orquídea malhada
só assim ia saber como sair
daquela enrascada. 



quando ia pelo meio do caminho 
encontrou um buraco
que lhe pareceu um ninho
botou a mão dentro 
e pode sentir os ovinhos
depois falou para o mato
como a fazer um chamado
que me apareça agora
quem está do meu lado



e lhe apareceu uma cobra
com um dos olhos furados
Por que fugiste de casa
sem pra ninguém avisar
agora queres ajuda
para daqui escapar?


Fugi de paixão doida
para seguir meu destino
que foi a sina do mundo
que me pôs neste caminho. 

Tens de voltar pra casa
pois lá tem confusão
que está impedindo
que haja a procissão
de este recado a Tiana



e volte na embarcação
leve consigo o Raimundo
que deve pedir sua mão. 

Agora volte pra trás
e não procure mais confusão. 
antes de ir faça o jogo no barracão
e mande Raimundo de noite
com os homem da função
para que lá ele aprenda 
algo muito importante
que lhe servirá de lição.

Quando Gracinha voltava
 pelo caminho assustada
encontrou-se com um homem
no meio da encruzilhada,
como vai a senhorita que parece tão afobada
eu não vou muito bem
já deve o senhor saber
pois aqui todos sabem o que está a acontecer

eu mesmo não sei de nada
e quero muito lhe ouvir
tenho tempo de sobra
para ficar por aqui
mas eu não tenho nada
que eu queira lhe contar
só queria mesmo o meu barco encontrar
quer um pouco de cachaça?
Acho que vai lhe ajudar
A seguir o caminho e seu barco procurar

Não vou mais procurar o barco
Estou voltando pra vila
Preciso encontrar meu homem
Pra um recado lhe dar
Pode ser que eu não chegue a tempo
Pois me esperam pra almoçar

Eu posso dar seu recado
Que é esta minha função
E assim podes seguir
Direto pro barracão
Gracinha olhou pra ele
Meio desconfiada
Mas resolveu arriscar
Pois não faria mal
e como sei que não vais contar
Aquilo que te falarei
Para outras pessoas?
Como isso eu saberei?
Se o teu recado for dado
Para quem se destina
Fazemos um trato
Na hora do almoço
Primeiro serves meu prato.
Gracinha achou muito bom
Fazer aquele trato
E mandou dizer pra Raimundo
Que deixasse pra lá o barco
Que  seguisse as ordens
Todos que lhe mandassem
e que fizesse o favor
e pro almoço não se atrasasse
Darei o teu recado
Disso tenha certeza
Mas não se esqueça que eu
Comerei primeiro na mesa
Gracinha abanou a cabeça
E do homem apertou a mão
E perguntou qual dos caminhos
Dava no barracão
Tu vais seguir por aqui
Que eu vou pro outro lado
Na hora que fores comer
Eu estarei do teu lado
Gracinha riu do homem
Que só pensava na comida
Seguiu o seu conselho e pôr a caminhar
Com um certo medo
De Raimundo ele não achar.

Quando Gracinha Chegou
Na porta do Barracão
Lá tinha sete meninos
Em enorme confusão

Fizeram em volta dela
Uma roda de mãos dadas
E começaram cantar
 uma cantiga engraçada

Quantos quiabos
Podemos comer
Quantos quiabos
Tem pra oferecer
Dança com a gente
E vem nos contar
Se tens um doce
Para nos dar

Dance com a gente
Para se não esquecer
Quem deverá
Primeiro comer

Gracinha não se assustou
E em resposta para eles falou

Sete meninos sei que vocês são
E sei que sabem toda confusão
Eu não trago doces comigo não
Mas tenho quiabos na embarcação
O que prometo haverei de cumprir
E sei quem devo primeiro servir
Dança de roda não posso brincar
Pois lá dentro estão há me esperar

Os meninos saíram gritando
Vamos ver onde tem caruru
Quem prometeu a comida foi tu
Só faça acordo que possa cumprir
Pra não arrumar confusão por aqui.

Gracinha suspirou
Todo mundo por ali lhe dando conselhos
E ela toda errada, barco dos outros
Comida furtada, só queria saber
Como sair da cilada
Que ela sabia que estava
Desde a alvorada.

E com a cantoria dos meninos
Raimundo despertou
e viu que era só sonho
tudo que se passou
olhou pra fora do Barco 
e viu que tinha aportado
olhou de novo pra dentro
e viu Gracinha do lado
constatou também
que a flor não tinha brotado
continuava assombrado
mas não acovardado

Acordou com beijos Gracinha
e mandou ela se arrumar
disse que iam esconder o barco
antes de desembarcar
que alguém tinha lhe avisado em sonho
pra mais confusão não arranjar.
Bem esconderam o barco

e seguiram no matagal
pararam só uma vez
por um instinto animal
depois de terem nadado
num pequeno braço de rio
se esquentaram entre folhas
por ser Gracinha de cio.



Quando avistaram a vila,
era  já manhã alta
tinham só o cesto
com coisas de Das Graças
que disse que precisava 
de uma muda de roupa
pra quando o tempo esfriava
quando chegaram na feira
sem com o que negociar

foram logo estranhados
pela gente do lugar
Raimundo encontrou
com o retinto Zeca Tino,
que em seu sonho não viu
mas este era quem enrolava,
algodão cru de pavio



Bons dias meu bom homem
desculpe lhe atrapalhar
mas preciso ver a pessoa
que dita as regras por cá



Tu procure Mãe Tiana
que aqui é quem nos diz
quem vai ser caçador,
capoeira ou aprendiz
vá seguindo aqui reto
Até palha nas porta encontrar

na casa maior 
é que a mãezinha vai tá
e lá vosmecê conte a ela
o que lhe traz nessa vila
ela já deve até saber
por que ontem teve jogo
e hoje cedo mandou
por mais comida no fogo
eu mesmo que levei 
pra ela os aviamentos
disse que esperava um charque
que ia chegar em tempo



Gracinha ficou assustada
e olhou pra Raimundo
por que escondeu entre as coisas
bem mesmo lá no fundo
um bom pedaço de charque
pra não passar fome no mundo

Quando contou pra Raimundo
pelo meio do caminho
Esse não lhe brigou
e nem fez desalinho
falou que só iam entregar
se algo lhes pedissem
e tão certo só fariam
o que por lá lhes permitissem. 




Quando chegaram na porteira
toda enfeitada de palha
viram que dentro dela
vinha um preto pequeno
que trazia em sua mão
uma pequena navalha
correu e abriu a trinca 
e se pôs na ladainha:



Olha quem vem de lá 
baixar nesse terreiro

nós aqui num gostamos
de caboco presepêro
venham bem devagar
pra  num se ferir
nem ferir os costume
que nós temos por aqui.



Bom dia eu lhe digo
me chamo Raimundo Nonato
e vago por esse mundo
pra cumprir o meu contrato
de procurar o que não perdi
que pode estar nesse mato. 



Eu me chamo Maria 
como a santa dos brancos
e me disseram Das Graças
mas não trago comigo manto
estou aqui com Raimundo
vou com ele em qualquer canto. 



Aqui me chamam Tiriri
mas tenho muito nome
em todo canto por ai
se quiserem mandar recado
podem certo me chamar
pode contar que vou
que gosto bem de ajudar
mas a primeira bocada
na comida sou eu que dá.


Tiriri saiu correndo 
e la de dentro gritou
podem se chegar pra dentro
que a Iyá desocupou
mas tiram o sapato
antes de entrar faz favor.



Quando Raimundo e Gracinha
entraram no barracão
sem muita demora 
botaram os quatro joelhos no chão
e de cabeça baixa
beijaram de Mãe Tiana a mão. 



Ocês aqui vieram
pelo destino do mundo
faça favor de entregar
esse charque ai do fundo
dona Maria das Graças
muié do branco Raimundo.



Eu sei que cês cá num tão
trazido de boa maré
quando a peixa tá ovada
a gente sente o piché
mas lhe digo seu Raimundo
não tenha medo não
que meu povo bem conhece
gente branco ladrão

Mas essa cabocla Das Graças
o senhor num faça mar
que ela é das encantada
que tão a lhe caçar
e se elas pegare o senhô
certo que vão lhe capá
elas já cá vieram
mó de me interrogá
se eu tinha vido a  rapariga
que ia por cá chegar
Pois foi o que disse
a velha Chica do Chá
nós vez por outra se estranha
que elas num tem respeito
vão pondo aquelas lança
nas cara de quarqué sujeito.
só num me agride
por que sabe que aqui
se elas me afrontarem
num hão de cá saí.



Num vou lhes dá pra elas
que num gosto de rinha
me dê o jabá de Juca
que ele mandou a farinha

e disse procês num se importarem
que ele tá muito contente
de Raimundo devolver o barco
á tanto tempo perdido
que agora lhe traz no peito
e inda lhe tem como amigo. 



Gracinha entregou o charque
e perguntou pra mãe Tiana 
se tinham saido fazia tempo
as caboclas montadas
e se ela sabia 
algo da cavalgada.



já faz duas noite
que elas vieram cá
vieram pelo rio
e por ele se foram
disseram que a procissão
já tava pra acontecer
por isso não iam esperar
aqui por vosmecê,
mas que depois da cavalgada
num iam mais sossegar
até te pegar de volta
e o tal Raimundo capar.



Raimundo engoliu seco
com essa informação
levantou-se bem aflito
e caminhou no barracão
Não sabia que Gracinha
ia dar tanta aflição. 



Raimundo perguntou pra Gracinha
gago e sem respirar
por que as amazonas 
estavam a lhe procurar
Gracinha baixou os olhos
pois inda não tinha contado
que Raimundo se apossara
foi de um corpo sagrado
da futura amazona mãe
das outras mulheres do lago.
e mesmo assim ficou calada
sem muito querer lhe contar
e novamente Mãe Tiana
teve que lhe explicar. 



O senhor deve saber
a história das guerreiras
que o povo branco enfrentaram
engasgando padre e freira
muito ajudaram nosso povo
quando pra cá nos trouxeram
sem nos dá nem direito 
nem vestimenta ou chinelo
Pois lá entre elas
também tem seus costume
tem as que vira Matinta
e as que comanda o cardume
pois essa ai do seu lado
é princesa encantada
dona das sabedoria
das muié vermeia montada
criada com os brancos
pra melhor se educada

e melhor podr ser rainha
quando se for a de agora
que num sei se o senhor 
conheceu, mas vai morrer
qualquer hora

pois que tá muito doente
foi a noticia que tive
eu mandei até uns remédio
e já pedi que o pai lhe livre
por que a que vai ficar
no lugar dessa bendita
é a caboca Munira
uma muito desaforada
que da Maria das Graça
é prima travessada.

A mãe de Gracinha
se bem me explicaram
teve ela antes 
de ficar cá maldição
de virar Matinta
mulher-assombração
assim foi que as amazona perderam
uma geração
tiraram essa ai de perto
pra ela num se assombrar
e com medo da Munira
tentar lhe afogar
pois olhe nem foi preciso
por que a danada fugiu
bem na hora que a caboca velha
da morte já sente o frio. 




A pois é voces que sabe
o que é que vão fazer
mas é verdade o que digo
a velha tá pra morrer
que ontem sonhei com ela 
dançando com nhá igbalé. 



Já contei a História
vô deixar oces aqui
lhes convido pro almoço
e vou com prazer lhes servir
vô lá na cozinha
pro serviço encaminhar
Vão passear por ai
que eu mando chamar
quando for hora da boia
Tiriri vai avisar.

que o danado come primeiro
mas só quando todo mundo chegar. 
e numa risada boa
a preta velha saiu
deixando só o casal
Gracinha chorando a vó Cabocla
Raimundo passando mal
o que mais escondia Gracinha
a Das Graças desse tal. 



Gracinha eu que pensava
que não haviam segredos
pois eu devo lhe contar
que agora sinto medo
quero que você me conte
o que mais tem nesse enredo
e não me olha assim
que eu num lhe ponho um dedo
até você me contar
o que está acontecendo.

Homem não fique assim
não queria lhe aperrerar
não pensei que essa história 
fosse tão longe chegar
Como estás vendo sou preta
da cor da noite sem lua
e nunca fui de ninguem
antes de ter sido tua
nem tinham como saber
que eu era lá das vermelhas
num fosse essa confusão
ter chegado nessa aldeia



O que sei da minha História
é o que posso contar
tem parte que ainda não sei
e talvez Mãe Tiana saberá
como tu sabes cheguei
na porta de Chica da Vitória
numa noite de muita chuva
dentro de uma cesta sem glória


Eu tinha lá pra seis anos
quando outra velha chegou
tomou chá com a madrinha
que certa hora me chamou
falou que aquela senhora
era a dona minha avó
e que agora pelo mundo
eu estava menos só
pois ela ia me dizer 
de onde é que eu vinha
e que eu tinha um destino
que em tempo eu saberia. 



Essa velha me entregou
um sapo verde amarrado
que era de minha mãe
e que eu tivesse cuidado
falou que eu era importante
e que eu tinha que me cuidar
que num lugar bem distante
tinha um povo a me esperar



Essa Cabocla que eu conto
é a mesma que está morrendo
desde esse dia vinha sempre
pra me acompanhar crescendo
me ensinava muita coisa
eu ia com ela pra mata
aprender a cavalgar
caçar bicho e fazer garrafada
mas nunca ela me  levava
no lugar de que eu vinha

só me contava as histórias
da gente que lá vivia
um dia ela me disse
que meu pai foi homem bom
vindo de um longe lugar
mas que não teve boa sorte
 com as feitiçarias de lá

ela me dizia,
que prá lá não me levava

por que tinha uma parte do povo
que de mim não se agradava
dizia que eu era princesa
e eu num acreditava
por que na cidade diziam
que eu era filha de escrava.


Sei que meu pai foi um negro
que por lá apareceu
vinha de muito longe
e nem me conheceu
era de tão longe
que mal sabia falar
e só os velhos entendiam
seu modo de conversar
aconteceu dele estar 
no tempo da cavalgada
e com minha mãe se entender
na base das estranhadas
e misturaram suas linguas
sem nem dizerem palavra
foi o que me disse
a minha vó, ó coitada!



Gracinha se pôs a chorar
e Raimundo não se aguentou
botou a nêga no colo
e muito lhe consolou
ficou lhe agradando
até o choro passar
e perguntou se ela
tinha mais pra lhe contar.



Eu sou das amazonas
minha mãe virou matinta
sei fazer encantamento
e pintar o corpo de tinta
falo lingua do mato
converso com passarinho
e de cada planta de cura
eu sei dela um pouquinho
corro mais que uma ema
amanso cavalo brabo
sei usar arco e flecha
atiro a lança de lado
mas não visitei meu povo
nem nunca precisei usar
nenhuma dessas coisas
por nunca ter ido lá
eu só treinava com a vó
que era pra eu me lembrar
de onde vinha, quem era

e o que estava a me esperar
faz alguns meses que a madrinha
me deu o mesmo recado
que minha vó tava quase
se passando pr´outro lado
eu fiquei foi com medo
por que ela sempre dizia
que tinha gente lá
que por lá não me queria
agora é que eu sei
que é essa tal de Monira
eu mesma não quero voltar
Deus me livre dessa sina
de viver montada em cavalo,
morar no mato e ser rainha
de um monte de mulher braba
que nem usa roupa de cima
já me pensaste pelada
andando de lá pra cá?
pois muito mal fizeram
de me mandar educar
pois não tem jeito na vida
de eu entre elas morar
deixa virem atrás de nós
não vamos fugir mais não
vou dizer pra elas
que abro mão da função
e que vou seguir contigo
na nossa embarcação.



Quando chegava 
o tempo da cavalgada
eu ia pro meio da praça
mas ia bem disfarçada
falava com as mulheres,
mas de mim não viam nada
pra não saber minha cara
e não me fazerem nada
participava da dança 
que elas tem que fazer
antes que saiam atras
dos homens que querem ter
tem gente que pensa 
que elas só vem na cavalgada
mas é gente boba
que está muito enganada
por que elas espreitam homem
pelos matos entocadas
e lá mesmo se deitam
quando se veem danadas.



A vó sempre me disse
pra com ninguem eu me deitar

antes de ter assumido
na aldeia o meu lugar
pois se eu tivesse menino
na cidade ia ficar
e se fosse menina
elas iam me tomar
nós falamos rainha
que é pra você entender
elas chamam de Cunhã
aquilo que devo ser
mas olhe bem pra mim
que costumes tenho eu
que posso pra elas dizer?



Raimundo pensou um pouco
e fez que tava então tudo certo
era só dizer pra elas
que a Monira cuidava do resto
que você não quer isso
e podem desmontar o presépio.



Se tu já constaste a história
vamos então passear
que por aqui haveremos
de algum tempo ficar
eu ainda nem te contei 
que sonhei com a orquidea malhada
que dava uma flor das grandes
nossa plantinha danada



Das Graças olhou pra ele
e disse desconfiada
sonhaste por acaso
com a cobra grande encantada?



Só não vou te perguntar
por que tu já me falaste
que tu é feiticeira
pois eu vou é te contar
a historia do sonho inteira



Gracinha disse que tambem sonhou
com a cobra grande encantada
e que esta lhe pedia
pra eu lhe dar a malhada
pra resolver uma briga
e desarmar a cilada. 



Depois do almoço vamos no barco
pra nela dar uma olhada
que já tá mesmo no tempo
de nascer a flor falada
é bem por agora mesmo
se não estou enganada.

Seguiram silenciosos no rumo do barracão
Raimundo ia rodando um dos anéis em sua mão
Das Graças muito amuada
 ia chutando  poeira
Que toda aquela historia
estava lhe dando caseira
Pararam por serem chamados
Por um preto velho sentado
Que fumava um cachimbo
Com um cheiro forte danado
Venham cá seus viajantes
Sentem aqui do meu lado
Que a fumaça que fiz hoje
Trouxe com ela recado
Os dois estancaram
E foram com o velho sentar
Pois do jeito que tudo andava
Não dava pra vacilar
Toda ajuda era boa
Melhor não recusar

O preto deu uma funda baforada
E soprou na cara de Gracinha
Que tossiu quase engasgada
Depois o preto velho bateu
Com o cachimbo numa pedra
Tirou o velho fumo
E encheu ele de erva

Depois que deu duas boas pipadas
Passou pra Raimundo
Que fumou mais um bocado
E perdeu o olhar no mundo
O Velho começou
Seu moço vou lhe dizer
Que é bom que o senhor saiba
Não guarde grande segredo
Que depois lhe traga raiva
Conte pra sua senhora
Do seu outro compromisso
Por que o senhor inda há de ter
Muito problema com isso

E a senhora num pense
Que do destino vai fugir
O melhor é irem logo, logo
Simbora daqui
Que a vida traça a trilha
E o melhor é lhe seguir
Pois se fugimos da distinta
Ela pode desistir
E se ficar sem a vida
Só o céu vai existir
Raimundo se levantou
E ficou com uma tontura
Olhou pro preto velho
E viu estranha figura
Falou então para o homem
O que dizes criatura?

Se não sabe nada de nós
É bom que fique calado
Que já muita coisa estranha
Nos disseram desse lado
Gracinha ficou sentada
Do lado do preto velho
Olhou para Raimundo
Com um bico amuado
Pegou do velho o cachimbo
E deu pra mais de vinte tragos
Raimundo olhava pra ela
 com a cara de assustado
Cada dia mais desconhecia
Aquela mulher do seu lado

Olhe Raimundo eu lhe digo
Que eu entendo seu medo
Mas já vi que por aqui
Não é só eu quem tem segredo
Você me diga logo
Do que está falando esse preto.

Gracinha você faça o favor
De largar esse cachimbo
E também lhe digo é melhor
Que não fale assim comigo
Que você já deu muitos problemas
E já me trouxe muitos perigos.

Pois num se engane
Que o que o senhor pensa que é nada
Pode ser muita coisa no reino das encantada
E se o senhor quer mesmo
Ficar com essa mulhé
melhor é contar tudo
E mais um pouco se tiver

Gracinha não largava
De jeito nenhum o cachimbo
Olhava pro infinito
Com um olhar muito  perdido
Certa hora levantou
e foi andando na frente
deixou Raimundo sentado
e ele ficou mais um tempo
depois se levantou
o preto velho lhe deu
um bom pacote de fumo
e disse para Raimundo
lhe ajudará achar um rumo
preste atenção meu amigo
que o mundo vai rodar
depois de com mãe Tiana
o senhor ir almoçar

Quando Raimundo guardou o fumo
E se arrumou pra sair
Como por um segundo
Apareceu Tiriri
Dizendo que tava na hora
E que era pra lhe seguir
Raimundo perguntou se Tiriri
Tinha visto Gracinha
Ele disse que ela ia
Bem na hora que ele vinha
E que rápido como ia
Já devia estar lá
Que era bom que mãe Tiana
Queria mesmo lhe encontrar.

Raimundo adiantou o passo
Pra chegar no barracão
Pois de longe já sentia
O cheiro da confusão

Quando Gracinha chegou
 Na porta do barracão
Teve uma surpresa
Que quase que cai no chão
Pois lá na mesa estavam
duas mulheres vermelhas
quando ia se virando pra voltar
deu de cara com a terceira
tu num pode mulher
do teu destino fugir
nós viemos te buscar
e tu vai ter que ir
vai entrando logo ai
vamos comer e partir
Gracinha olhava pra ela
E lhe parecia familiar
Devia ser alguma lembrança
Que ela não podia alcançar

Sentada do lado de Tiana
Numa fofoca danada
Estava a Munira
Sua prima atravessada.
Quando viu Das Graças disse
Olha vejam quem chegou
Se não é dona Das Graças
Que de nos se afugentou
Olhe bem dona menina
Nós viemos lhe buscar
E o branco que lhe roubou
Nos havemos de capar
Que ele já tem filha
Disse dona Chica do Chá.

Gracinha tava calada
E não ia mesmo falar
Mas ficou admirada
Com o que ouviu por lá
Ora me repita
O que estás a me contar.
Mas antes logo lhe digo
Meu homem, mulher nenhuma vai capar.

Olhe pra ela Jurita
tem jeito de branco falar.
Jurita sentada do lado
com espiga de milho na mão
sorriu desdentada 
de toda confusão
era uma velha arrupiada
que tinha no cinto um facão.

Olha bem na minha cara
moleca desaforada
tu é uma covarde
fugindo da tua estrada
largando pra trás quem te espera
pra rainha das montadas
num pense que é do meu gosto
que venho aqui lhe falar
pois se não quiseres o posto
sou eu quem vai lhe ocupar
mas ou levo teu corpo morto
ou tu vai lá me coroar
ai tu que decide o que é melhor fazer
se vai na cerimônia
ou vai querer morrer
por que tu pra rainha num serve
além de nem querer. 

Gracinha ficou ofendida 
com o jeito de Monira
e já ia dando a volta
quando lhe cortaram a guia
e mais de vinte vermelha
que estavam por la escondidas
fecharam com suas lanças
um cerco pra rapariga. 

saiam da minha frente
que eu quero passar
não quero ser ofendida
nem quero me trocar
com gente que nem sabe
como gente falar. 



Dona Tiana coitada
que não tinha nada com aquilo
foi quem se colocou
na frente como impecilho


Chamou num canto Munira
catou Das Graças pelo braço
e disse que tava na hora
de elas fazerem o trato.
e pediu que não fizessem 
mais nenhum desacato

Mãe Tiana disse pra Gracinha
numa voz bem macia
Tu precisa decidir
o que vais fazer menina
pois teu povo te espera 
para seguir a sua sina

Mas dona Tiana 
só tem duas soluções
ou volto com ela
ou ela me fecha os botões
nem uma delas me parece boa
pra que eu chegue as conclusões. 

Se tu vai me dar o posto
não tem muito que pensar
tu vai na cerimonia
depois eu te deixo voltar
mas vou logo te avisando
já tem muita confusão
e não vai levar contigo
aquele branco sujão. 

Gracinha olhou pra porta
rezando pra que Raimundo
por ela não entrasse
com medo que a Monira
o Homem lhe estragasse. 

Mas pra surpresa de Gracinha
entrou só Tiriri
e Mãe Tiana disse
agora vamos comer
que de barriga vazia
não vamos com certeza
boa coisa resolver. 


As três sentaram na mesa
Mãe Tiana serviu Tiriri
e mandou  por a comida 
pras outras fora dali
que elas pelo almoço
iam as coisas decidir

Tiriri Comeu seu prato
E com mãe Tiana se pos a cochichar
Que com cara de preocupada
Outro prato foi preparar
Quando ele saiu correndo
 e saiu do barracão
Atrás dele foi Gracinha
Toda cheia de aflição

Pediu licença da mesa
Disse que já voltaria
Queria saber de Tiriri
Por onde Raimundo estaria
Tu volta logo aqui
Que o tempo tá curto
Temos de resolver
De uma vez este assunto
Disse Monira gritando
E ficando dela de junto

Mas veja , me faça o favor
De tu me deixares em paz
Preciso ver uma coisa
E volto logo mais

Se é o branco safado
Que tu tá procurando
Vou logo te dizendo
Que nós estamos ele guardando
Mas tu pode fica calma
Que nós vamos esperar
Tu tomar tua decisão
Antes de lhe capar

Tu para com isso
Disse Gracinha impaciente
Que vocês parece mesmo
Que nem ao menos são gente
Eu nunca vida tinha visto
Tanta imensa maldade
E se eu lhe disser
Que não volto na cidade?

Monira que era vermelha
E tinha o peito desnudado
Deu tão grande gargalhada
Que ecoou no telhado
Tu já sabe a resposta
Mas eu vou repetir
Que desta vila não saio
Sem te levar daqui
Ou tu vai de bom grado
Ou te faço um tipiti

Pois parece que tu
Não entendeste a questão
Disse Monira levando Das Graças
De volta pro barracão
Venha cá me diga uma coisa
Que me disse mãe Tiana
Quando da minha chegada
Por que vocês tão aqui
Se é tempo da cavalgada?
Por que não está lá você
E essa corja desgraçada?

Monira pulou em Das Graças
E as duas rolaram no terreiro
Pra surpresa de todas
Não teve Gracinha aperreio
Deu uma surra na Monira
Que deixou a outra azuada
As duas pegaram lanças
e fizeram uma guerra de espada
Foi uma briga das boas
Que deixou a Gracinha rasgada
E de repente ela viu
Que tava quase pelada
Pois Monira lhe destruiu
Até o forro da anágua
Ela não gosta de mostrar o peito
Essa caboquinha aguada
É por que são dois coquinho
Que num serve é pra nada

Das Graças foi pra cima da prima
Com a lança dela em riste
Jogou Monira no chão
E antes que alguém intervisse
Deu uma chave de perna
Prendeu o pescoço com uma mão
E com a outra encostou
A lança no coração

As vermelhas animadas
Urravam como animais
E já nem  sabiam
Para quem torciam mais
Devolvam agora meu homem
Disse Das Graças irada
Ou eu mato essa doida
E não respondo por nada

Jurita veio pra junto
Se riu da cara de Monira
Disse que devolver não ia
 E era ela quem sabia
Pois se matasse Monira
A cunhã ela seria.

Das Graças olhou pra Monira
Com a cara muito enraivada
Raiva de não saber de Raimundo
Raiva de estar pelada
E mais Raiva ainda de estar numa cilada

Saiu de cima da prima
Ficou com a lança na mão
E disse que já sabia
Qual era a solução
Que ia dar o cargo pra Monira
Mas sem seu Homem não ficava não

Mãe Tiana que já tinha dito
Que não gostava de rinha
Mastigava tranqüila
Um pescoço de galinha

Quando as duas se apartaram
Foi que ela se meteu
Expulsou as outras mulheres
Disse : disso cuido eu
As vermelhas saíram
E iam muito animadas
Fosse quem fosse a cunhã
Era muito bem treinada
Tiriri voltou contente

Com um prato em cada mão
Botou em cima do girau
Deu pra Das Graças um camisão
E não perdeu a chance
De lhe dar um beliscão
Das Graças muito irritada
Nem quis mais se zangar
Me diga de Raimundo
Aonde é que está?
Ólha num se preocupa
Que ele tá bem cuidado

As vermelhas tão brigando
Pra ver quem dá mais cuidado
Uma lhe esfrega os pé
A outra dá de cume
E tem as que fazem coisa
Que melhor nem lhe dizer

Mãe Tiana pegou Tiriri
E deu nele um cascudo
Mandou ele ir pra lá
Ficar vigiando Raimundo
Que as vermelhas eram de repente
E mudavam de tempero num segundo.

Tiriri saiu correndo
Das Graças queria seguir
Mãe Tiana já nervosa
Lhe disse se assente aqui.
Monira depois da luta
Ficou até menos braba
Depois que viu que a prima
Ao menos pra briga prestava


Quando começaram a comer
Gracinha se calou
E galinha e feijão com charque
Aos montes devorou
E do vestido em sua cesta
 alegremente se lembrou.

Mãe Tiana e Monira também
Estavam caladas
E olhavam pra Das Graças
Com olhar de rabiada
Depois de muito comerem
Foram sentar no quintal
E mãe Tiana perguntou
-Então Maria que tal?
Primeiro quero saber
o que foi que sucedeu
Já que é tempo de cavalgada
Assim penso eu

Monira olhou pra ela
E lhe disse arreliada
Foi a cobra grande
Ela  invadiu a capela
E disse que por ali
Ninguém acende uma vela
Ate quem se resolva
Quem fica no lugar da velha
E ainda quer conta
de quem furou o olho dela.

E disse que se fizéssemos cavalgada
Que ia comer nossas éguas
Todas duma só bocada
A assim num podemos
Fazer nem procissão nem cavalgada
E a culpa é toda tua
E desse ladrão de estrada
Assim  voltei pra cá
Pois foi o que me mandou fazer
Dona Chica do chá

O que tenho que fazer
Pra tu ficar no meu lugar?
Pois isso não me ensinaram
Quando foram me educar

Tu precisa primeiro
Fazer tua  cavalgada
Depois tu aceita a sina
De entregar pra ser matinta
Tua primeira menina

E se eu não tiver uma filha
O que vai se suceder?
Monira disse que isso
Era impossível de acontecer
Que era pra ela parir
Até a matinta nascer
Mas o que fiz eu á Deus
Pra isso me acontecer
Tenho que amaldiçoar a filha
Que ainda nem fiz nascer
Deve haver por acaso
uma outra solução

E olhou pra mãe Tiana que disse
-Existe não.

Ou tu vira a cunhã
 e aceita a obrigação
Ou entrega tua filha
pra cumprir a maldição
e tem mais uma coisa
a primeira filha de pai e mãe
é que ela tem que ser
se não não serve
pra maldição receber.

Eu parto contigo Monira
Mas tu vais me prometer
Que com meu Raimundo
Nada vai acontecer

Ele fica por aqui
Não vamos lhe levar
Que ele já fez demais
Das suas confusão por lá
Que o Juca perdoou ele
Mas a cobra quer lhe pegar

Das Graças numa tristeza sem fim
Pediu tragam ele
Pra se despedir de mim
Primeiro deixa que eu vá
O meu vestido trocar
E peço á mãe Tiana
Para meu homem hospedar
Até que por cá eu volte
Pra nossa viajem continuar

Mãe Tiana disse que sim
Que ficasse despreocupada
Que Raimundo era benvindo
E que dele ela cuidava
Monira avisou Das Graças
Que Raimundo ia buscar
Pra ela se preparar rápido
Que já iam viajar
Tava com medo que a velha
Estar já morta por lá
Raimundo foi conduzido
De volta pro barracão
E nos braços de Gracinha
Entregou seu coração
Eu sou já comprometido
Em um lugar bem distante
Já não queria mulher nenhuma
Até te ver no instante
Que mudou meu mundo todo
E minhas rotas de viajante
Com ela tenho quatro meninos
Que são todos já crescidos
E pra casa eu até voltava
Não tivesse te conhecido

Raimundo eu muito te amo
E quero contigo ficar
Mas se tu já tiveres filha
Terei que te deixar
Até que eu tenha a menina
Que matinta ela será
Pois esse é o único jeito
De juntos a gente ficar
E tu já tem uma
Disse a chícara de chá

Pois eu te digo 
tão certo como o dia
se eu tivesse menina
certamente te diria
e como tu sabe
que quando de la saíste
uma filha na barriga tu não deixava?
por que já de muito
com ninguém eu me deitava

Monira chegou por perto
E fez sinal pra Gracinha
De que já era hora
Se seguirem rio acima
Num ultimo aperto no peito
Eles se despediram
E juraram se verem em breve
E que sempre se amariam
Raimundo olhos molhados
Viu Gracinha ser embarcada
E depois saiu correndo
Pra ver a orquídea malhada.

No centro daquela aldeia
Tinha uma oca levantada
E dentro daquela oca
Muitas  redes armadas

Entorno da grande oca
Outras pequenas iguais
E por trás de tudo isso
A baia dos animais
Gracinha muito assombrada
Quase não desembarcava



Não fosse por Monira
que malvada lhe encarava
Porem não era só ela
Que estava a lhe observar
Mas todas as vermelhas
Que nesta hora estavam por lá

A velha já morreu?
Foi Monira a perguntar
Ainda não foi não
Tá te esperando chegar
Disse que num fecha os olho
Sem outra no seu lugar

Monira andou na frente
Das Graças a lhe seguir
E moribunda como estava
A velha ainda pode sorrir
quando viu entrar aquela
que ela pensava
ia lhe substituir

Gracinha lhe pediu benção
Lhe beijou a testa enrugada
E viu que Monira chorava
Na beira da rede ajoelhada

Tá aqui a ingrata
Que eu disse que ia trazer
Mas vou deixa ela mesma
Fala o que tem pra dizer

A velha com a voz bem fraca
E com a mão de Gracinha segurada
Pediu que Monira saísse
Que agora ela cuidava
Do assunto que tinha
E pelo qual tanto ansiava

Monira queria ficar
A velha nem lhe respondeu
E logo do seu lado
Outra velha apareceu
Lhe fez sinal com os olhos
E a amazona cedeu

Quando Gracinha ficou
Sozinha com a Vó
Essa lhe disse
Num rápido fôlego só
Minha filha tu me escuta
Que outra vez num hei de falar

A vida dá a dita
E a nós cabe aceitar
Sei que tu vem me dizer
Que num quer daqui cuidar
mas tu tem que saber
que num pode recusar
por que desde Una até mim
ninguém pode disso escapar
é teu destino Das Graças
tu tem que ele aceitar
a Monira quer ser cunhã
e isso eu num posso deixar
por que tu foste educada
pra ficar no meu lugar
cada tempo que passa
nossos costumes se perdem
as mulheres da igreja
do nosso sangue tem sede
foi por isso que te criamos
com branca educação
pra que tu tivesse conhecimento
pra salvar o nosso povo
da grande devastação
que há de vir qualquer dia
mas isso eu não hei ver não
já comi coração de padre
que veio me maldizer
já fiz beata de igreja
água benta beber
pra saber que num sô diabo
pra ela de mim se benzer.

Tivemos que enfrentar
muita gente enfezada
e na historia da vila
fomo muito ameaçada
como se não fosse nós
que abrimos a primeira picada
Quando nós decidimos
Que tu ia sê diferente
Era na esperança de tu
salvar nossa gente

A velha deu uma tossida
Gracinha ficou assustada
Pois ela mesmo
Ainda não tinha dito nada

A velha continuou
Das Graças minha filha
Não vá nos abandonar
Se tu não fica aqui
Pouco vamos durar
Desde que tu nasceu
Muitas já foram simbora
Muito já se perdeu
Seja nossa Cunhã
É o que te peço eu.

Dos olhos de Gracinha
Grossas lagrimas pingavam
E suas certezas de antes
Em duvidas se transformaram

A velha olhou pra ela
E disse numa risada
Mas ninguém tinha me dito
Que tu já tá embuchada
Gracinha enxugou a cara
Não to não Cunhã
É inchaço de estrada
Vá se vê com a parteira
Que eu sei que não to enganada.
Gracinha se tremeu toda
Lembrando da Xícara de chá
Então  a filha de Raimundo
Era dela que ia chegar

Depois que Gracinha saiu
Raimundo foi procurar
A sua embarcação
Que disse Tiriri
 sabia a localização
foram pelo mato
até nela chegar
Raimundo correu pra dentro
E deu uma gaitada
Pois lá dentro estava
Brotada a orquídea malhada

Com a ajuda de Tiriri
 pegou as provisões
mas deixou a flor no barco
pra lhe evitar confusões
não tomo esse chá agora
por canseira de assombrações.

Tiriri avisou Raimundo
Que precisava voltar pro barracão
Que era dia de jogo
E não podiam perder não.
Voltaram correndo com as coisas
Que Raimundo queria levar
Pra dar pra mãe  Tiana
Na intenção de lhe agradar
Quando por lá chegaram
Tava armada a confusão
Um entra e sai de gente
De dentro do barracão
Os homens sem camisa
Dançavam pelo chão
Viu quando Tiriri pegou
Um arco e um cordão
Amarrou uma cabaça
Pegou uma pedra na mão
Tirou a ponta da flecha
E com ela bateu no ferro do arco
E tudo aquilo junto
Fazia um som muito alto


Raimundo ficou olhando
Sem muita coisa entender
E sem saber direito
 o que ia acontecer
Tiriri falou pra ele
Que era um jogo antigo
Que lembrava do tempo
Das lutas contra inimigos
O arco a gente usava
Pros miseravel flexar
 A cabaça servia
pra mó de se alimentar
e essa pedra nós usa
disse rindo
pros passarinho matar.
e tem chocalho de pedra
 pro malzagoro espantar
Quando se perdia na floresta
E precisava se encontrar
Nós ajuntava tudo
E fazia barulhar
Um toca daqui
outro responde de lá

Mas sempre acabava em briga
Por que os inimigo
Também podia se achar
E hoje nós toca e nós briga
Essa briga de jogar
E isso tudo nós faz
Pra lembrar dos ancestral.

Eu vou levar as coisas pra mãe Tiana
E volto já já
Tiriri pegou as coisas
E foi correndo guardar
Disse pra Raimundo
Pra na roda se sentar
E que ficasse tranqüilo
Que se num fosse pra ele
Num precisava jogar
.
Raimundo sentou num canto
Fora da roda ficou
Mas foi o mesmo preto velho
Que lhe deu o fumo
Quem pra roda lhe chamou
Venha pra cá seu Raimundo
Não precisa se assustar
Que por aqui só joga
Quem for mesmo pra jogar
Mãe Tiana veio de dentro
E disse que era pra começar
E disse pra Raimundo
Que aquelas coisas roubadas
Ele voltasse a embarcar
Que por ali não podiam
Aquelas coisas aceitar
Raimundo abaixou a cabeça
E ficou triste a cismar
até que uma cantoria
fez ele de novo se espertar

“Tiriri venha pra roda
Que nós vamos lhe contar
Como foi que aqui chegamos
Num navio que era um curral

Ai me diga preto velho
to aqui pra lhe escutar
por que é aqui que estamos
e onde haveria nós de estar

Já faz mais de muitos anos
nós vivia em outro lugar
Era um reino bem bonito
E nós era os rei de lá

Nosso povo era de guerra
Mas guerra de conquistar
Lá nós num se acorrentava
E brigava de igual  pra igual

Um dia chegaram os brancos
 começaram a atirar
Botaram nós num barco
E trouxeram nós pra cá.

Preto velho então me conte
Que eu quero saber
Então eu era o rei
Antes disso acontecer?”

Soaram mais fortes os arcos
E todos cantaram juntos

Eu era rei do reinado de oxalá
Iansã, oxum, Oxossi,xangô, Orunmilá
Eu já fui nobre do reino de Oyó
Onde Oranmiyan defendeu Oduduwá

Nosso povo é de paz
Isso eu posso provar
Pois  Oranmiyan deixou
Adimu também reinar.
Em terra de gente forte
Um homem se acovardou
E Oba Ajaka foi sucedido por xangô

Ê ê ê na minha pele preta ninguém vai bater
Êêê na minha pele preta ninguém vai bater

Soaram mais altos os instrumentos
E o Preto velho e Tiriri começaram a jogar
Enquanto Raimundo muito estranho
Sentiu seu corpo arrepiar
e aquela cantiga nunca antes ouvida
ele também se pôs a cantar.

Os homens se arrumaram
Em fila pra jogar
E depois dos dois primeiros
Vieram outros e se puseram a cantar

Exu Guardou templo
Ogum ferro esquentou
Oxossi trouxe a caça
Logunedé pescou
E foi Omolu
que com  milho me curou

Corre daqui , pula de lá
Vai pedindo a bênção pro seu orixá
Joga daqui, jinga de lá
Dos ferros dos branco
Eles vão te livrá

Tem sete cores o arco de Oxumaré
E somos todos filhos de Iyami-Ajé 
O meu cabelo quem me deu foi yewá
E dos meus filhos é Obá quem vai cuidar

Corre daqui , pula de lá
Vai pedindo a bênção pro seu orixá
Joga daqui, jinga de lá
Dos ferros de escravo
Eles vão te livrar

Pai Oxalá foi rei
Lá do reino de Oyó
Que por sua vontade
Seria um reino só.

Eu sou um rei
No reino de Oyó
Na guerra perdi a perna
E briguei numa perna só

Pula numa perna
Pula Tiriri
Por que os homem armado
Tão bem atrás de ti

Eu sou um rei
E posso enfretar
O que de melhor eu tenho
É a coragem e não vou dá

Quando Oxossi veio
Para os homem enfrentar
Veio armado de flecha
Pra de longe derrubá


A minha Flecha tem pena
E tem pena o teu cocar
Pra tomar o nosso Reinado
Vão ter que nos enterrar

Oxalá teu rei
mandou te aconselhar
Disse que numa guerra
O importante é ganhar

Acenda o fogo
Para o pai Xangô
No ferro da minha flecha
Foi ele que me ajudou

Acenda seu fogo
Que eu vou lhe mostra
Aprumar seus ferro
Pra pode te alimentar

Oxalá teu rei
Mandou lhe avisar
Pra lutar até a morte
E pra nunca se entregar

Yansã Rainha
de vermelho  se pintou
pariu mais de dez reis
e na terra ela reinou

Quando chove o céu
Eu faço trovejar
É que a terra se molhando
Eu gosto de apreciar

Rei Oxalá falou
Que era bom lhe avisar
Que uma flor bem linda
Ele fez pra lhe entregar

Oxum pegou o aço
E areia ela esquentou
Fazendo o seu espelho
Onde o povo se enxergou

A tua beleza
Pra ti eu vou mostrar
Pra durante a guerra
Nossa pele tu salvar

O rei Oxalá mandou lhe avisar
Que mais belos são teus olhos
Onde ele se espiar

Oxalá foi pai
De todos os reis
E são  suas rainhas
Que protege suas leis

Nanã é minha vó
Que vem me abençoar
Somos filhos dos seus filhos
Temos de lhe respeitar

Venham cá meus filhos
que eu vou lhes contar
a historia das guerra
e as glória de ganhar

Oxalá pediu licença
E mandou eu lhe fala
Que o seu conselho
É bom de se escutar

Ogum acende o fogo


para iluminar

Os caminhos por onde 

a minha lança vai passar



Deixa eu te dá mais ferro

Pra tu guerrear

Lembre sempre desse fogo

Pras coisas concertar



Oxalá teu rei mandou 

Eu te contar

Pra tu procurar na mata

Coisa de num se apagar



Logunedé

Logunedé

Tu me diz agora

O que é que tu é



Deixa que eu traga

Uma vara pra te dá

Tu mergulha ela na água

Pra vê o que tem lá





Oxalá o rei

mandou eu lhe dizer

Pra ti mirá

Bem no que no teu querer. 



Raimundo se Levantou

Como se fosse nada

Deu três rabo de arraia

E duas rodopiada

Pra cima do preto velho 

Que deu doze desesquivadas



Foi foi foi foi Logunedé

Que veio mostrar pra gente 

O que é que ele é



Raimundo levantou a cabeça

Rodou a flechada de Oxossi

Encostou a planta do pé no

Peito do preto velho



E cantou







Não sei de onde venho

Nem sei pra onde vou

Mas pra nessa Roda

Oxaguiã que me rodou





Ele é quem tem

Uma adivinhação

Conte para nós

Um segredo de visão





Quem é o rei eu quero saber



Desce Preto velho

Pra ele aprender



Caiu foi de rasteira

De rasteira ele caiu

E o pé do nosso rei

No chão ele que viu



Ele é o rei

Logo pude ver

O senhor mande os 

Guerreiros

Pra eu lhes conhecer 





Oxaguiã, Oxaguiã

lhe faz muito bem

Procurar uma anciã



Chama Onilê

chama Onilê

que ele de cajado

tu precisa vê



Veja esse cajado

Que eu vim te trazer

no fundo desse saco 

tudo pode acontecer 



joga Onilê 

joga Onilê



o que tem nesse teu saco

pra eu me defender





Te defender não vai preciser

Bote a cabaça no arco

Pra nós escuter. 



Canta Oxaguiã

Canta Oxaguiã

Que acaba de abrir a roda a anciã



Toca Oxaguiã

Toca Oxaguiã

O que não for de falar

Tu toca Oxaguiã



Abram a roda 

Pra nossa anciã

Que vem trazendo

a pedra de nanã. 





Toca Oxaguiã

Com a flecha do guerreiro

Que antes de lutar

Se canta no terreiro.



Canta Oxaguiã

Canta Oxaguiã
Que antes de lutar
Tu canta Oxaguiã.

Me Valha meu Deus



E Nossa Senhora

São Raimundo Nonato

Protetor de toda hora



O Mundo é todo de Deus

Seis dia em Criação

Por que no sétimo dia

Não criou mais nada não.



Antes de todos os santos

Veio Eva e Adão.



Adão é o Homem

Vem do Barro da Terra

Que deu uma costela

para Deus fazer a Eva



Foram proibidos

De um fruto comer

E a serpente convenceu

Eva de ceder.



Eva pecadora

Não queria ficar só

E convenceu Adão

Que pecar era melhor.



Ai Deus em sua Ira

Decidiu que outros homens

Eva produziria

E também lhe castigou

Com o sangue da intriga



Tirou do Paraíso

Os falsos dois cordeiros

E mandou pra cá pra terra

Que é todo o mundo inteiro.



Olha pra ele

Olha veja só

Ele acha que o mundo

É Feito todo de um só



Quem fez o Mundo foi

Obatalá e trabalhou muito

Pra lhe inventar

Quem deu o barro preto

Foi a Íyá Nlá



E nós somo tudo

Égbòn e Áburò

Que quando

Deu a vida

Não deu foi pra um só


Antes de Obatalá
Vem Olodumarê
que nos deu os Orixá
E é o dono do Axé

Conte pra nós
Que queremos saber
Algum segredo
Pra nós aprender

O primeiro casamento
Não foi com Eva não
Existia Lilith
Ex-esposa de adão

O Homem e a Mulher
Pecam desde Então
Pois somos todos filhos
De Eva, Lilith e Adão.

Depois do mundo cheio

Deus queria nos dizer
Como resolver as coisas
E mandou Jesus Descer

Quem Pariu Jesus
Foi a Virgem Maria
Que nessa vida
 Homem não conhecia

José aceitou
com ela se casar
e criar o filho de Deus
que ela estava a esperar.

Jesus era pobre
De marré Marré
E nasceu numa
Manjedoura
Improvisada por José

Quem é Jesus
Queremos saber
O que veio consertar
E o que queria dizer



Jesus Tem duas Festas
Feitas pra celebrar
No Natal e na Quaresma
Temos que nos Lembrar

Quarenta dias
Antes de Jesus Morrer
Tem o carnaval
E tudo pode acontecer

O Carnaval
É de Eva e Adão
A gente pode pecar
E não tem castigo não

Eu sou um rei
No Reino de Oxalá
E do seu carnaval
Nos vamos se lembrar

O nosso rei
Mandou se avisar
Que do carnaval
Nós vamos se lembrar

Maior que tudo é Deus
Depois nossa senhora
Que nos trouxe Jesus
Em muito boa hora
Jesus foi o cordeiro
Que Deus enviou
Pra redimir dos pecados
Que ele mesmo criou
Todo pecado é coisa do Cão
Que é um anjo caído
Que no céu
Fez confusão
Os pecados são sete
E eu vou lhes contar

Conta Oxaguiã
Que nós vamos escutar

Tem a inveja
Que é o do outro querer
E a preguiça
 que é nada fazer
A Ira é o ódio
dentro do coração
E a gula é comer
mais do que a precisão
A vaidade
é a si se admirar
E a luxuria
 que é os corpos desejar
Além desses  tem a avareza
Que negar o que sobra
a quem mais precisa

Jesus era de  Belém
Na Antiga Galiléia
E dizem era um rei
Esperado na Judéia
Por João foi batizado
Madalena perdoou
E foi Judescariote
o seu grande traidor
Pilatos lavou a mão
Jesus foi crucificado
e no terceiro dia
por Deus ressuscitado.

Lará, lará
Mataram o Rei
Que veio ensinar
Lerê, Lerê
Teve um povo que fez
Seu rei padecer

Jesus disse pra nós
Pros outros perdoar
E dar a outra face
Quando a gente apanhar
Pra fazer o bem,
 sem nem mesmo olhar
E ter sempre o amor
Em primeiro lugar



Mataram nossos rei
Depois dos dele matar
Quando não é a cruz
É o tronco pra pendurar

Conta Oxaguiã
Conta Oxaguiã
Nós queremos escutar
Se no meio do teu povo
Não tem em quem confiar

Depois que viu Deus
De Jesus a humilhação
Foi que resolveu criar
 o seu panteão
Feito todo dos seus santos
De reza e procissão
A rainha é Maria
Pelos santos adorada
Pode ser das dores,
Das Graças  e imaculada
Perpetuo socorro
Do rosário e conceição
Mas todas são Maria
Do sagrado coração

Oxum da água doce
Do mar Yemanjá
Também eram mãe de Rei
No Reino de Oxalá

Maria era filha de Ana e Joaquim
Se casou com José, trineto de Davi

Santana é avó , a santa anciã
Aqui a gente tem a nossa Nanã

João Batista foi o santo
Que Jesus Batizou
Foi uma homem forte, guerreiro e lutador

Pois ele se parece
Com nosso Rei xangô
São Sebastião
era de Jesus soldado
e lembramos de suas flechas
pelas quais foi condenado

Lembra nosso Rei Oxossi
Que com flechas fez reinado

São Jorge Guerreiro
De Deus tinha missão
Dizem que mora na lua
E que matou um dragão

Tem o Tobe Odé
Nosso rei Ogum
Guerreiro do Ifé
Que guarda o ferro de Olorum

A nossa santa Barbara
Tinha em Deus sua missão
Foi degolada pelo pai
Que morreu de um trovão

A rainha yansã
Do reino de Oxalá
É sempre quem diz
Onde o raio cairá.


Oxalufã, Oxalufã
Pode te preparar
Que agora mãe Tiana
 contigo vai falar

Prepara tua cabeça
Pra bater no chão
Que nós vamos te levá
pro sagrado barracão

































Gracinha nem precisava
Ir falar com a parteira
Pois ela tinha já em si
A certeza verdadeira
Que dentro dela estava
A menina sua herdeira

A velha Cunhã lhe olhou
Com cara de vou morrer
Maria das Graças decida logo
O que tu vais fazer.

Maria das Graças respirou fundo
Passou a mão na barriga
Sentiu a filha de Raimundo
Dentro do peito dela
Uma coisa nova sentiu
E por uma amor desmedido
Essas palavras proferiu:

Cunhã eu nunca bebi sangue
Nem nunca feri ninguém
A minha vida mesmo
E nem sei direito de onde vem
Mas eu vou lhe dizer
Que a sorte a gente num escolhe
Um dia vem o destino
E a vida da gente engole
Hoje eu fui engolida
Por que cá não queria estar
Mas minha alma está ferida
Me diga Velha Cunha
Quem sou eu nessa vida.

A velha tomou em si
Uma força de outro mundo
E começou a contar pra Maria
O seu destino no mundo

Tua mãe virou matinta
Por que num tinha outro jeito
Anda ai pelos mato
Assombrando branco e preto
Era ela que ia ficar no teu lugar

Tu nasceu de um preto guerreiro
Que por aqui apareceu
Era também do terreiro
Onde foram te buscar
Da família de Tiana
A Mãe daquele lugar
Faz tempo que por cá
Nos temo a combinação
De fazer acordo
Entre a o Oca e o Barracão
Nós lá também tem festa
Pros nosso encantado dançar
E os homem de lá aqui vem
Pra menino fazer e menino levar


A filha que tu vai tê
Já tava comprometida
Pra o rei pequeno que tem lá
Por que nós te educamos Munira
Pra depois de um tempo
Nossos reino ajuntar

Tu vai resolver as coisa
Com as mulher lá da capela
Que nós aqui já aprendemos
Bater cabeça e acender vela

A tua filha munira
Vai findar a tradição
Não vai ter mais cavalgada
Por que nós queremos viver
No mesmo barracão

Decidimos isso
Por pena das criança
Que nós tinha que dá
Pra sê levada embora
Agora queremos cuidar
De tudo que é coisa que chora

Só que nós sabemos
Que num é agora não
Tem que nasce a escolhida
Que vai selar a união
Mas se a tua fô matinta
Num há de ser ela não
Teremos de esperar
A Munira pari então
E assim vai durar mais tempo
Tendo que fazer
Cavalgada e procissão



E isso minha filha
Só faz é nos dá Aflição
Num queremos mais ficar
Sozinha, sem nossos filho
Sem nossos irmão

Queremos se misturar
E viver do mesmo chão
Se tu tem uma filha agora
O acordo ta selado
Ela vira Cunhã
E fica no nosso cuidado
Casamos ela com rei
E ficamos lado a lado
Mas pra isso acontecer
Tu terás que aceitar
Que a Cunhã tu tem que sê
A morte entrou pela porta
Ta vindo me buscar
Manda chamar Monira
Pra co ela eu falar


Assim que eu morrer
Vocês vão lá se pintar
Bota o colar na cunha
E saiam pra cavalgar
Que se demorarem mais
Criança num vão pegar

Tu já ta embuchada
Por que tava pela rua
Que aqui nos tudo sangra
É tudo na mesma lua

Monira apareceu
E a velha lhe falou
Maria decide logo
Por que eu mesmo já me vô

Maria que tava abaixada
Com força se levantou
Arrancou de si o vestido
E em tom bem alto falou
Pois de agora em diante
A Cunhã daqui eu sou
A velha deu um suspiro
E pro outro mundo passou
As outras velhas entraram
Pra suas palhas botar
E trouxeram pra Gracinha
Saia, lança e o maracá
Pra que ela anunciasse
O tempo que ia mudar!

Quando Gracinha pegou o maracá
A Monira deu pra ela uma espiada
E gritou na cara de Gracinha
Mais muito injuriada
Tu vai se cunhã?
Mas isso eu quero vê
Por acaso tu sabe
O que tem que fazer?
E sabe o que na cavalgada
Vai tê que acontecer?
Sabe o que é carvão
Genipapo e urucum?
Por acaso tu sabe
Que o barro do Muiraquitã
Não pode ser qualquer um
Sabe contar as lua
Sabe quando plantar
E quando tem que colher?
Pois eu sei que essas coisas
Tu num deve nem saber

Gracinha que nem teve tempo
Da velha Cunhã chorar
Viu como que por milagre
A velha se levantar
Pegou ela pelo braço
Tirou dela o maracá
Das Graças o que tu já disse
Tu num pode desdizer,
Agora a nossa cunhã
Tu vai ter que ser
Mas num te aperreia
Que eu vou te ensinar
Tudo que tu tem que saber
Pra ficar no meu lugar
Gracinha não entendeu nada
Daquela situação
A cunhã não tava morta
E nem doente não
Tava mais viva que ela
E parecia um furacão
Pegou saia de palha
Trança de taboá
Dizendo que era pros dente
Dos bicho  ela pendurar
Cunhã por favor nos diga
O que foi que aconteceu
Que seu mal num estante
por milagre desapareceu
É que quando eu fechei o olho
Vi Una, Jurema e Jatuíra
Elas me disseram
Que pra cá eu voltaria
Pra melhor te preparar
Pra cuidar das nossas filha
Vou te contar a história
Do mundo desde o começo
Vou te ensinar as pintura
As festa e os adereço
Te explicar o que faz uma amazona
Da sepultura ao berço.
Gracinha engoliu seco
Peito cheio de aflição
Lá vinha mais coisa pra sua cabeça
E Raimundo no barracão
Onde tava seu homem
Enquanto ela se encontrava
Naquela situação
A velha dava ordens pra todos os lados
Falou pra Monira
Que  escondesse o desagrado
E fosse fazer da cerimônia o preparo
Que ela ia sair com Gracinha
Pras coisas lhe ensinar
E que ia na Vila
Com a cobra Grande tratar
Falar com as mulheres da Igreja
E com a Xica do Chá
Gracinha encheu o olho de lágrima
E se deixou um pouco chorar
Lembrando da traição
Contra quem lhe quis criar
Agora vamos lá fora
Que tem um povo á te esperar
Levantou o braço de Das Graças
Sacudiu o maracá
Chegou a nova cunhã
Que vai nossa tribo mudar
E trás consigo a Menina
Que  tudo nós vai juntar!
Agora vamos preparar a festa
Que antes que mude a lua
Nos havemos de cavalgar
Jacinta veio trazendo
Duas éguas forradas
A cunhã velha deu um pulo
Que Gracinha ficou desconfiada
Que não tinha doença nenhuma
E era tudo outra cilada
Montou também na outra égua
E partiram em disparada.
pra resolver as confusões
que Das Graças deixou armada.

Essa é a égua de ti
criada pra te levar
pra onde tiver que ir
Pois minha filha
eu vou te contar
A historia do teu povo
que tu tem que saber
desça dessa bicha
e vamos procurar
as coisa que tem no mato
que nós vamos ter que usar
Lembre sempre de gostar
do seu corpo na transformação
que o tempo passa
e as coisas vem e vão
As vez as coisa são pequena
outras vez são tentação
mas saiba sempre
tá com o controle na mão
não pegue coisa dos outro
que os outro vão atrás
e só tenha coisa que o braço
dê conta de suportar
quem consigo carrega muito
muito perderá
quem nada tem
nada lhe faltará
Lembre do que eu lhe disse
nos tempo de nossos passeio
maior de tudo é o mato
donde tudo está
procure por cá as coisa
onde tem tudo que precisar
se tiver um raio de sol
é lugar de se plantar
se por lá bate a lua
é trilha de caçar
Cada coisa tem seu valor
e tudo procura lugar
mesmo o rio que sempre corre
num canto igarapé será
lembre que as coisa grande
são coisa de conquistar
num é bom pegar escondida
melhor é sempre tu lutar
lembre que sê Cunhã
Haverá de lhe bastat
pra tu saber bem das coisa
o valor que tu vai dá
Cada coisa tem seu valor
mas se tu é a cunhã
tu bota quanto for
Quem sabe das coisas é a dona
sabe até o seu senhor
quando for pro teu povo
veja como é que faz
aprenda sempre os costume
que garante trégua e paz
As coisa solta no mundo
não vira nada não
nós só faz do mato paneiro
se botar nele as mão

Espia um meritizeiro
por onde vamos passar
aqui nos serve de ponte
pra nós num ter que nadar
quando tu olha de baixo
forte como ela é
tu nem pode imaginar
que ela é quase oca
e melhor de carregar
o meritizeiro caido
é ponte pra todo lugar
e em cima da sua casca quente
comida dá pra secar
e o braço do meritizeiro
faz uma vila toda boiá
Da fruta se faz o vinho
que vamos servir por lá
fermenta desda lançante
tomaremos antes de cavalgar
agora vamos catar umas folha
pra dona Chica levar
ela tá triste contigo
nem comer num queria
Tu vai sabendo que o que tu fez
foi das grande covardia
As mulheres da santa
pra cobra vão te entregar
e se ela não te comê
elas vão te pegar
pra ver o que tu entende
das reza que tempo lá.
dona Chica vai dá a festa
da vespera da procissão
depois nós faz as pintura
e faz as invocação
das antiga mãe guerreiras
que nossas égua guiarão
Vamos pegar a andiroba
pra dona Chicá levar
me diga Das Graças
pra que ela servirá?

Gracinha subiu na pedra
portugues no peito disse
A arraia nada tranquila
boia n´água seu ferrão
mas se tu lhe pisa em cima
ela o deixará no teu tendão
põe andiroba por cima
hora em hora um arrancão
Se acaso estiver tão fundo
tome um gole com limão
tem uma vantagem na andiroba
sua mais valença o amargor
que distrai na boca do sujeito
o gosto de sangue e dor





O que faz a parida esta semente
tu vá me dizendo faz favor

Pode passar aquecida pelos peitos
e o leite não lá não secará
e passada sobre as crianças
afasta os bichos de lhe pegar
E se queima junto em mato seco
nuvem de inseto espantará

O que mais tu sabe da andiroba?
me dê uma maior explicação


Tira a espinha de goto de pequeno
cura tosse, franqueza e roquidão
seca qualquer tipo de ferida
e bota sobre elas bom cascão
ajuda na tirada dos espinhos
e ajuda a arrancar o carnegão.

Se comeres coisa estragada
é bom das folhas fazer um chá
pois tudo que tiver na tua barriga
ele para fora botará.

O galho não faz parede
nem serve pra forrar o chão
mas é bom pra forrar berço
e pra por na cama do ancião
cura, as picadas e mordidas
serve para desinflamação
e além de tudo sara
 ferida de escorpião.

as sementes nascem de quadrilha
e boiam pelos rios nos temporais
ferve ela por dois dias
depois aperta elas no tipiti
o oléo se guarda na cabaça
e ajuda até as vermes á sair.

E quem foi que a andiroba descobriu?

Foi a Jatuira, estava boiando no rio.

Como ela fez para lhe espremer?

Cozeu os caroços até o óleo amolecer.

Como ela descobriu a sua função?

Curou uma ferida de espinho em sua mão. 


Vamos Das Graças venha me reponder
O que é o Babaçu e o que dele fazer?

Do babaçu tudo vai se aproveitar
da palha se faz um paneiro e um colar
Se a palha estiver seca faço dela um tipiti
põe-se a bucha da castanha em poqueca de matapi

Tem outra coisa que eu vô te ensinar
essa trança apertada faz mais duro teu cocar. 

Do babaçu, que mais tu vai dizer?
que serve pra fazer leite se o da mãe enfraquecer.

e a cabaça pra que te servirá?
Se eu me perder, eu vou ela soprar
pra fazer um bom barulho para os bichos espantar.

Quem fez primeiro o babaçu tecer?
foi a Jurema quem primeiro pôr a mão
quando viu que dele vinha em cima o camarão. 

Venha Gracinha Venha me dizer 
o que da copaíba se poderá fazer?
Com a copaíba a pele eu vou curar
ponho ela na ferida, para bicho não minar
se a dor de barriga não quiser passar
um chá de copaíba haverá de curar
serve para no cabelo a caspa não se espalhar.

Da Copaíba o que mais tu vai dizer?

Foi o Pena Verde que lhe fez aparecer
quando uma sua tosse ela fez desaparecer. 

A copaibeira também te servirá
pra o cabo do martelo e a perna do girar. 
ela também te tira a coçeira a atormentar. 
Espia essa cabacinha que eu vou te mostra
põe num molho em copaíba
e depois tu faz um chá
e assim é que se invita 
uma barriga sem lugar.

Quando Raimundo Chegou
 na porta do Barracão
foi logo se ajoelhando
e botando a cabeça no chão.

Ficaram parados na porta
Esperando  a convocação
Tava com o corpo moído
Das roladas pelo chão.

Mãe Tiana sentada
 num bem alto lugar
olhou pra Raimundo
e fez sinal pra ele entrar

Apontou pra um canto
onde os homens se arrumavam
e onde muitos tambores
calados esperavam

Raimundo chegou mais perto
Lhe deram atabaque na mão
E lhe ensinaram três toques
Pra tocar no barracão.



As mulheres foram entrando
Em muitos panos enroladas
Com suas cabeças cobertas
Todas muito caladas.

Mãe Tiana cantava
E todo mundo respondia
Iam avisando Raimundo
Quando o toque mudaria.

Mojubá
Mojubá
Abre os caminhos
Que ele que passar
Ê Mojubá
Ê Mojubá
Ele traz recado
É mensageiro de oxalá

Conte pra nós
O que quer dizer
E qual o recado
 que lhe faz aqui descer.

Oxalá mandou
Mandou eu avisar
Que nossa Rainha
Está vindo de lá

Oxalá mandou
Mandou eu lhe dizer
Que a profecia
 está pra acontecer.

Cantamos pra subir
Cantamos pra desce
Guardamos  seu recado
Depois dele recebê.

Mi-Ami-Mi
Eu quero jantar
E um gole de pinga
também eu vô tomar
que preciso de força
no caminho de voltar.
Ê mojubá
Ê Mojubá
Ele já partiu para o lado de lá

Êpa Babá
Êpá Babá
Confirme seu recado
Nosso rei Oxalá.

Eu já falei e vô confirmar
Que os povo separado
vão se misturar
Eu já falei e eu vô repetir
Que uma rainha
uma rainha vai pari.

Cantaram pra descê
Cantaram pra subir
E eu já fiz
O que vim fazer aqui.

Êpa babá
Êpa babá
Ilumina esse caminho
Ò Rei Oxalá.

Odo yá,
 Odo yá,
Historia de rainha
Nos conta Yemanjá.

Uma nossa rainha
Do reino descerá
E ela sobre o povo
Dessa terra reinará

Essa Rainha
eu vô lhe contar
será uma mãe
de água,  terra e ar

os segredos do fogo
também saberá
e do sei reinado
todos vão lembrar

Cante para mim
Para eu subi
Que o que eu sabia
Eu já contei aqui.

Odo Yá
Odo Yá
 quem te leva nos caminho
É o Rei Oxalá.


Cada mulher que rodava
E trazia seu recado
Raimundo mais forte batia
E mais ficava alarmado
Pois sabia que ele estava
Naquele enredo enrolado.
Atotô
Atotô
Obaluaiê
Conte para nós
O que devemos saber

Toda coragem
que vai precisar
A nossa Rainha
do reino trará
Eu vou dizer ,
pode acreditar
Que essa Rainha
não vai fraquejar

A sua saúde
eu vou lhe trazer
Ela será forte
como tem que sê.

Cante pra subi
Que eu já vou lá
E quem me chama
É Rei Oxalá

Atôtô
Atotô
Obaluaê
É o nosso povo
Que vai lhe agradecer. 


Mãe Tiana levantou
E disse numa voz grave
Agora nós já sabe
O que passa de verdade
Aqui temo esse branco
Trazendo a confusão
Mas ele também vai trazer
Nossa paz , nossa união
A criança da vermelha
Vai em igreja e barracão
Vai saber as rezas
 de terreiro e procissão
 e os canto das mulheres
que os peito num cobre não
Por isso vamos cantar
Um canto de Mariana
Cabocla de encantaria
Pra mó dela abençoar
A sina da sua cria!

Os atabaques foram
Com muita força batido
E de qualquer lugar lá perto
O canto de mãe Tiana
Poderia ser ouvido


Brilha uma estrela
Do lado de lá
É Dona Mariana que já vem chegar
Brilha uma estrela
No alto do céu
Galopa Mariana
Em um preto corcel

No meio do barracão
Em espaço todo aberto
Rodou uma graúda
Que  pôs o peito descoberto

Uma estrela do céu descerá
Marcando o tempo
Que livre nós será

Quando ela descer
Tudo vai mudar
E na cor do outro
Ninguém vai reparar
Ainda vai levar
Muitas geração
Mas a Rainha
traz a anunciação
volte esse cavalo
e cante pra subi
e pergunte pra esse Homem
por que ele inda tá aqui?

A estrela eu no céu brilhou
Foi D. mariana quando ela chegou
Dona Mariana já pode subi
Que o seu recado
Com nós fica aqui.

Foi a Cabocla
 que mandou avisar
Se prepare Raimundo
É hora de voltar

Siga com os encantado
E com os orixás
Que os seus caminhos
haverão de guardar

Raimundo ficou quieto
Com vontade de correr
Mas tinha umas coisas
Ainda pra resolver
Não sabia o que fazer
Com a orquídea malhada
e queria companhia
alguém que salvasse sua pele
quando chegasse na vila
e contasse pro povo
que era Graças a ele
que ia se dar a profecia

ficou esperando Mãe Tiana lhe falar
pois sabia que era o Homem
que a Cabocla mandou caminhar

Mãe Tiana puxou um toque
E mandou seguir a dança
e chamou  o Raimundo
pra um assunto de confiança

Olha Raimundo, já é hora de tu ir
Que tu já sabe o que tinha de saber aqui
Eu vou mandar contigo o pequeno Tiriri
Ele vai te ajudar, a chegar em tempo
E pode te livrar, de um qualquer tormento
A flor que tu pego, faça favo de devolver
Que o que fazer com ela é a Chica que vai saber


Mãe Tiana fechou a boca
Tiriri apareceu, e trazia consigo
As coisas que Raimundo deu
Raimundo reparou
Que muita coisa faltava
Mas ficou calado
Tinha aprendido a lição
Quanto mais quieto ficasse
Menor a confusão
Mãe Tiana lhe deu
Numa cabaça um preparado
Disse que era pra lhe ajudar
Com os seus machucados
Que tinha ganhado no jogo
Por ter os Homens desafiado.

Só mais uma coisa
Que tu num pode esquecer
A criança pra nós
tu vai ter que trazer
De tempo em tempos
Que é pra ela aprender
Os nosso costume
pra eles num se perder
E quando ela souber
Vai poder ensinar
E assim do nosso povo
Pra sempre vão se lembrar.
O rei da rainha, é nós quem vai dá
Quando tive em tempo
Aqui vão se casar.

Raimundo olhou pra Tiana
Já meio desconfiado
Ainda nem tinha barriga
Já tinha caso arrumado

Agora vão simbora
No rastro da lua alta
Que a bênção dos de cima
É coisa que num lhes falta
Quem vai cumpri seu destino
Num tem do que temer
E nem um mal do mundo
Chegará nem  vosmecê.

Tiriri pegou uma carreira
Raimundo foi no seu pé
Na direção do barco
Atrás da sua mulher. 

Quando Raimundo acordou
estava muito assustado
pois tinha Dona Chica
e o Juca do lado.

Por favor me digam
o que foi que aconteceu?

Foi o chá da orquídea malhada
aquele que tu bebeu!

Com o que foi que tu sonhaste
conte para nós,

Foi com uma profecia
dos vossos tresavós
que dizia que por aqui
 tudo vai se misturar
e que esperem alegrias
por que elas vão chegar
que esqueçam-se das cores
e apertem forte laço
e eu por aqui nada tenho
fui somente alarme falso

Assim sigo meu caminho
e por aqui vou lhes deixar
se acaso outro forasteiro
por aqui vir passar

Saibam que é de vir
lhe deem boa abrigada
e assim que ele tropece
lhe estendam mão camarada

Dona Chica dê licença
de uma coisa eu lhe pedir
me de muda desta planta
que pra eu levar por ai

Devo chegar em mais lugares
nesta longa caminhada
e bem me faz adivinhação
da vossa orquidea malhada

Seu Raimundo vá no tempo
que por cá mesmo não tem nada
é sangue do tipo grosso
que virá pr´essa empreitada

A muda eu vou lhe dar
cuide dela com cuidado
lembre que ela tem tempo
e não lhe livra do veneno
que sempre encontrará
quem por ai vai no sereno.

Tome aqui essa cachaça
disse o bom Juca do bar
lembre de tomar o tanto
que num lhe vá tropeçar

Eu muito lhes agradeço
preciso agora partir
Espero que chegue logo
o que se espera por aqui

Na hora de ir simbora
Raimundo inda viu Gracinha
rindo feito demônia
entre um monte de flozinha
fez tão funda reverência
que o chapéu caiu no chão
e ela inda pode ver
um anel em cada mão.

Era um dia qualquer
desses todos iguais
e Raimundo partiu temendo
a fúria dos vendavais.